O espetáculo Psico-trópicos, protagonizado pelas brasileiras Marina Santo e Rafaella Marques encerrou o festival [In]estables promovido pelo Espacio Labruc, sábado passado (27). Psico-trópicos está dividido em Ombligo e Manifiesto Quirúrgico, e voltará para mais uma temporada em julho de 2015, no mesmo local. Enquanto isso será apresentado em festivais de teatro na Espanha e Europa.

Psico-trópicos foi concebido pela atriz Rafaella Marques, paranaense que se formou em Artes Cênicas e Letras-Alemão em Curitiba, e resolveu contar suas aventuras de ser imigrante e atriz. Ao chegar a Madri, em dezembro de 2011, tentou seguir com sua carreira artística, mas esbarrava no problema do idioma. Assim descobriu na performance um modo de exercer sua profissão e participou de vários cursos sobre o tema. Ao ser escolhida para tomar parte do Forum Internacional de profissionais do teatro, em Berlim, realizou um curso de performance a partir da história autobiográfica. Igualmente, em outro festival, desta vez em Veneza, trilhou o mesmo caminho e desta forma nasceu o Manifiesto Quirúgico.

Marina Santos

Marina Santo, em “Ombligo”. Foto: Luiz Alfredo Santos

Ao conhecer a bailarina Marina Santo, que trabalhava as questões do corpo feminino e da imigrante brasileira, as duas resolveram juntar forças e assim nasceu Psico-trópicos, palavra que pode ser entendida nos dois idiomas. O espaço Labruc abriu as portas para a ideia e a montagem foi tão bem acolhida pelo público em julho que foi convidado para voltar e encerrar o festival [In]estables em setembro.

Psico-trópicos

Em Ombligo, Marina Santo é o estereótipo da mulher brasileira vendida aos estrangeiros: mulata, bonita e corpo escultural. Com seus atributos vai desconstruir um a um todos esses clichês. Vestida de biquíni de cordinha recebe-nos com a bunda – logo ela – virada para o público. Nenhum gesto que faz durante os vinte minutos de sua performance é sensual ou sedutor, exatamente o que esperaríamos de uma mulher assim.

Acompanhada de um pandeiro, instrumento do samba por excelência, não dança. Cai muitas vezes ao chão, desconfortável em sustentar-se nos dois pés. Estaria incomodada com a situação que a mulher é confinada também nos dias de hoje? Com certeza.

Como se de uma continuação tratara, Rafaella Marques conta, em espanhol, no seu Manifiesto Quirúrgico, a história de seu pai, mãe e dos tataravôs. O texto surgiu da necessidade de extravasar todas essas informações sobre ser imigrante, brasileira, mulher. Por isso, narra as agruras que sofreu com múltiplas doenças na infância e médicos que queriam operá-la, diretores de casting que não a julgavam adequada ao atual padrão de beleza. Entremeia sua narrativa descrevendo as pessoas que encontrou nesses madriles que a tomam por italiana por conta do sotaque. Ou ainda aqueles que ao escutar a palavra “brasileña” desfilam todo seu conhecimento sobre o vasto país: Caetano Veloso, samba, futebol. E ainda completam com a pergunta que os imigrantes brasileiros mais escutam atualmente: “por que você está aqui quando seu país está tão bem”?

Rafaella Marques

Rafaella Marques, em Manifesto Quirúgico. Foto: Luiz Alfredo Santos

Tal qual Marina Santo desconstrói o mito da brasileira boazuda com seu corpo em movimento, Rafaella Marques o faz com sua palavra e seus gestos. Muito à vontade sentada em uma cadeira e mesa de madeira daquelas usadas nas escolas antigamente, ela desfila seu rosário de queixas com humor. Lembra aos espanhóis que eles também são estereotipados no exterior. Se o brasileiro sempre escuta seu nome ser associado ao samba, também o espanhol escutará binômio flamenco-tourada. Afinal, longe da terra natal, somos mais parecidos do que pensamos.

 

Juliana Bezerra é historiadora e escreve os blogs Rumo a MadriUm ano na Espanha.