O Festival Psicotrópicos, dedicado à arte contemporânea brasileira, encerrou este domingo (26) com a leitura dramática da peça “Álbum de Família”, de Nelson Rodrigues, dirigida por Aline Casagrande, no Espaço Labruc. Lida por atores espanhóis, a apresentação pode ser considerada um feito histórico, pois foi a primeira vez que a obra foi posta em cena na Espanha.
A diretora Aline Casagrande conta que hesitou entre várias obras de Nelson Rodrigues. “Pensei em ‘Doroteia’,pelas referências à ditadura, e ‘Toda Nudez será castigada’, pelas questões sobre a prostituição” declara Aline “mas quis fazer algo forte e extremamente atual, e esta peça, ao ser um mito, se atualiza dentro da tragédia. Curiosamente, ganha também relevância o fato de mostrar a importância das fotos para construir uma imagem por vezes irreal de nós mesmos sejam nos álbuns de família ou nas redes sociais” afirma Aline Casagrande.
Um fator que pesou na decisão da escolha de “Álbum de Família” foi o de ser um texto relativamente fácil de ser traduzido se comparado a outros do mesmo autor. “Qualquer escrito do Nelson seria um desafio de tradução porque ele usa um vocabulário muito associado a uma certa classe social no Brasil” explica Aline. “Nesse sentido, essa obra era a menos complicada, pois os personagens pertencem ao mesmo grupo social e familiar. Em ‘A Falecida’, por exemplo, tem uma personagem que é um bicheiro e usa um linguajar típico do subúrbio carioca. Seria mais difícil traduzi-la no pouco tempo que dispunha. Aliás, contei com a ajuda inestimável do meu marido, que é jornalista e espanhol,para a revisão do texto final em castelhano”.
Da mesma forma, Aline Casagrande ressalta que o texto de Nelson Rodrigues tem diversos elementos em comum com a sociedade espanhola. “Os espanhóis vão se identificar com o núcleo familiar que é algo muito arraigado por aqui, assim como a religiosidade e a repressão” explica a diretora “o que é indiscutível é que já é tempo de que o público espanhol conheça os textos do ‘desagradável’ teatro Rodrigueano que tanto amamos!” conta Casagrande.
Sonho realizado: Nelson Rodrigues em Madri
Escrita em 1945, com “Álbum de família” o dramaturgo foi execrado pela crítica, a peça censurada durante vinte anos, e somente seria levada aos palcos somente em 1967. A obra relata a história de uma família de aparência normal – segundo se vê pelos retratos projetados durante a encenação – mas que guarda o segredo do incesto (ou a tentativa de consumá-lo) entre os vários membros da família. Completa a trama a menina grávida pelo patriarca e a tia solteirona, que realiza todos os desejos do cunhado.
“Traduzir e encenar Nelson Rodrigues na Espanha é um projeto antigo e acalentado. Essa primeira experiência com Álbum de Família é só o principio de um projeto maior” revela a diretora. Natural de Goiânia (GO), Aline Casagrande se formou em História na PUC-RJ e fez mestrado em Teatro na UNI-Rio. Deu aulas em universidades e em 2002 recebeu uma bolsa da Fundación Carolina para o curso de Profesionales de Dramaturgia y Dirección de Teatro.
Após estudar em Madri, Sevilha, Barcelona e Cádiz, a diretora passou uma temporada Londres onde atuou no Cochrane Theatre e em curtas metragens. Roterizou e dirigiu os curtas El dolor la la delicia e Los ojos despiertos, traduziu obras de teatro e ficou em segundo lugar com a adaptação de”Bacantes”, de Eurípides, que teve lugar na Sala Cuarta Pared, em 2009, no Premio Fantasio Picolli de directores de Escena. “Entre meus próximos projetos estão um texto sobre o universo feminino, e um filme-diário, a partir das minhas viagens, no qual venho trabalhando nos últimos oito anos” destaca Aline Casagrande.
Psicotrópicos 2016
Com a leitura dramatizada de “Álbum de Família”, o Festival Psicotrópicos fechou a segunda edição. Impulsado pela atriz Rafaella Marques e apoiado pelo Espaço Labruc, o Festival tem como objetivo apresentar obras atuais de artistas brasileiros e espanhóis que repensem o Brasil para além dos estereótipos tradicionais de samba, futebol e carnaval. Igualmente, a Embaixada do Brasil, a Casa do Brasil e Fundação Hispano-Brasileira divulgaram a programação em suas redes sociais.
Este ano, o Festival Psicotrópicos contou com a exibição de documentários, espetáculos de dança, performances e exposições. Animados com os resultados de público e crítica, os organizadores – e o público – já pensam na edição do próximo ano. Que venha o Psicotrópicos 2016!
Quem quiser conferir a encenação de Álbum de família pode clicar aqui: https://www.youtube.com/watch?v=fcd22Zt7ZKg
Juliana Bezerra escreve neste espaço e no blog Rumo a Madrid.
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