O teatro brasileiro contemporâneo chega a Madri. Após a apresentação do monólogo do ator Vinícius Piedade, três dramaturgos brasileiros – Sílvia Gomes, Pedro Brício e Paulo Santoro – terão suas peças lidas por atores espanhóis, integrantes do laboratório Rivas Cherif, no teatro Valle-Inclán, dias 9,10 e 11 de outubro, às 19h. Os ingressos custam 3 euros.

A iniciativa tem o apoio da Embaixada do Brasil, da Fundação Cultural Hispano-Brasileira, Casa do Brasil e do Centro Dramático Nacional e faz parte do projeto “Una mirada al mundo”, cujo objetivo é dar a conhecer novos autores do cenário internacional. Em entrevista na Casa do Brasil, os três autores falaram sobre a expectativa de apresentar textos brasileiros na Espanha, da cena teatral brasileira atual e dos avances sociais e culturais do Brasil nos últimos quinze anos.

Qual é expectativa de vocês em mostrar essas peças na Espanha?

Paulo Santoro: Somos autores de um país que é visto do lado de fora com alguns clichês que podem levar o entendimento equivocado do Brasil, mas nós também somos muito europeus. Todos os meus bisavôs eram italianos e será que em duas gerações construímos o “brasileiro”?

Silvia Gomes: Eu sou fruto da miscigenação. Meu bisavô era negro e se casou com uma portuguesa e tenho índios na minha família. Eu venho de Minas, de Lavras, um lugar cercado de montanhas, onde existe uma repressão, um lugar calado, um silêncio. Minha obra é brasileira porque vem dessa especificidade, mas trata de questões universais, que poderiam ser lidas em qualquer lugar.

Pedro Brício: Minha peça também não fala especificamente do Brasil e acho isso bom porque vai quebrar essa expectativa das pessoas em relação ao país.

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Silvia Gomes, Paulo Santoro e Pedro Brício: autores apresentam suas obras no tetro Valle-Inclán.

Atualmente, quais temáticas são discutidas no teatro brasileiro?

Pedro: A própria questão da identidade brasileira é discutida pelo teatro hoje. Minha peça trata sobre relações amorosas na contemporaneidade, se passa no Rio de Janeiro, mas trata da memória, da expectativa que temos nos relacionamentos e do acaso.

Sílvia: A cena de dramaturgia no Brasil está viva e tem sido estimulado graças a projetos como o do Sesc, que reúnem dramaturgos. Temos gente que está discutindo desde as memórias da ditadura, política até questões existencialistas mais abertas. Existe uma questão que a dramaturgia tem que olhar ao redor e falar do que incomoda.

Como vocês avaliam as políticas culturais nos últimos quinze anos de governo?

Paulo: Nos últimos 15 anos tivemos incentivos para os novos autores, como o Antunes Filho, proliferam várias iniciativas que acabaram trazendo autores novos que antes só existiam potencialmente. Cada um desses autores tem sua história e vemos esta diversidade de temas.

Sílvia: A minha peça saiu do CPT, dirigido pelo Antunes Filho, no Sesc-SP e a partir dali foram publicadas e traduzidas, e por isso estamos aqui. Nós discutíamos frequentemente sobre a singularidade, que cada um tenha a sua voz, pois isso é muito difícil de conseguir.

Pedro: Muitas peças estão discutindo a realidade brasileira e a história do Brasil. Porque o interessante não é só o tema, mas a forma e a poética que o dramaturgo trabalha.

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Isso abriu espaço para autores emergentes e grupos da periferia mostrarem sua arte. Como vocês veem este movimento?

Sílvia: Acho muito importante e maravilhoso que se tenha um lugar para estas pessoas e ver essas perguntas dos outros. Venho de uma cidade pequena onde não tinha teatro e por isso digo que o Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte mudou a minha vida.

Paulo: Conhecei recentemente asFábricas de cultura”, do estado de São Paulo, na Zona Leste da cidade, um espaço onde oferecem aulas de música, dança, teatro e várias outras oficinas. Acho que esse tipo de espaço vai propiciar o surgimento de novos artistas que falarão daquela realidade.

Pedro: É chato a gente ficar dependendo do poder público, mas no Brasil só 14% dos municípios tem um teatro, então nós precisamos de uma política de formação, porque o teatro serve não só para as pessoas virarem atores, é uma questão de formação humana. Nos 15 últimos anos isso melhorou, embora esteja longe de ser o cenário ideal e perfeito, mas melhorou. Infelizmente, nas crises, o primeiro corte é na cultura. Vi que isso não é muito diferente aqui na Espanha ou na França, onde também houve cortes na cultura.

Mas a questão do teatro no Brasil é que ele é muito pontual. Sempre foi feito mais pelos artistas do que pelo governo, pelas companhias como a Dulcina e o TBC, por exemplo. Não temos um grupo de teatro nacional como aqui na Espanha.

Paulo: É preciso notar é difícil falar de grande cultura num país que tinha um alto índice de analfabetismo há cinquenta anos. Se não for o governo que inclua essas pessoas, não será a iniciativa privada que o fará.

Sílvia: Eu tenho uma visão positiva, afinal, estamos aqui. Muita gente com educação não sabe o que faz um dramaturgo, por exemplo.

Pedro: Hoje em dia todo lugar tem uma tela e o teatro guarda ainda essa relação humanística, ao vivo, sem mediação da tela.

Em que projetos vocês estão trabalhando atualmente?

Sílvia: Estou indo para Escócia fazer uma residência de dramaturgia por duas semanas.

Paulo: Vou lançar um livro em novembro e tenho algumas peças que estão em fase de captação de verbas, inclusive a peça que será lida aqui, “O fim de todos os milagres”, que será dirigida pelo Eric Lenate (que também dirigiu a peça de Silvia Gomes).

Pedro: Acabei de dirigir um musical brasileiro, sobre Wilson Simonal, escrita por Nelson Motta e tive uma alegria enorme porque foi um sucesso de público. (Pedro está no elenco do filme “Muito homens num só”, que será exibido durante o NovoCine em novembro).


Sílvia Gomes

Natural de Minas Gerais, Sílvia Gomes concilia sua vida de dramaturga com o jornalismo. Mora em São Paulo e participou de 2003 a 2011, participou do Centro de Pesquisa Teatral – CPT- dirigido pelo dramaturgo Antunes Filho, no Sesc-SP. Em Madri, no dia 9, apresenta a peça O céu cinco minutos antes da tempestade, que estreou em 2008, dirigida por Eric Lenate.


Paulo Santoro

Paulo Santoro é formado em Letras pela USP e também participou do Centro de Pesquisa Teatral, estreando O canto de Gregório em São Paulo, em 2004, dirigida por Antunes Filho. Neste ciclo, dia 10, apresenta sua obra O fim de todos os milagres que posteriormente será encenada no Brasil, dirigida por Eric Lenate.


Pedro Brício

Pedro Brício é dramaturgo, ator e diretor. Natural do Rio de Janeiro, é formado em cinema pela Universidade Federal Fluminense. Dirigiu peças de Albert Albee e Hilda Hist, escreveu obras como “Me salve musical!” ou “Breu”. Em Madri, no dia 11, o autor estará representado com o texto Trabalho de amores quase perdidos.


Leituras dramatizadas brasileiras

Onde? Teatro Valle-Inclán. Calle de Valencia, 1. Metrô Lavapiés, L3.

Quando? 9,10 2 11 de outubro, às 19h.

Quanto? 3 euros


 

Juliana Bezerra escreve neste espaço e no blog Rumo a Madrid.