De que matéria prima se constrói a caminhada de um profissional? Da costura de peças afins, que vão se formando ao longo do tempo, compostas, uma a uma, pelo conjunto de conhecimentos e habilidades adquiridas. Um processo quase imperceptível. Sem que nos demos conta, aos poucos ele desenha o que somos no presente: o resultado de tudo o que somamos, dividimos, multiplicamos, incluindo-se até mesmo o que deixamos para trás. No entanto, algo do que ficou pede para ser revisitado, talvez por se tratar do que é essencial. Parece-me que aí está o nó da questão.
No mais das vezes, como em Fernando Pessoa, temos a nítida sensação de que “A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou. Mas hoje, vendo que o que sou é nada, quero ir buscar quem fui onde ficou.” Porque é ali que mora a vocação fundamental, de que fala o teólogo Leonardo Boff. Estou me referindo ao impulso do primeiro amor, com o qual nos deparamos num momento da vida em que sonhar é permitido e utopia não é uma palavra que resiste apenas em alguns centros acadêmicos anacrônicos.
É de se lamentar o fato de que, até hoje, se encontre com facilidade, nas esquinas populares da vida, quem acredite que uma trajetória possa ser radicalmente desviada nos últimos minutos do jogo. Mais do que isso. Defende-se a ideia de que esse corte possa ser feito sem prejuízo para o principal envolvido e para o conjunto da obra. Coisas como arrancar da sala de aula o professor de Filosofia e transformá-lo em Contabilista ou vice-versa, aos 60 anos, esperando encontrar olhos radiantes frente a palavras e situações que não guardam qualquer afinidade com o seu universo, ideologia, projetos etc. Tentei imaginar o publicitário Washington Olivetto, diretor de criação, sofrendo uma amputação com esse grau de crueldade. O quadro ficou pavoroso. Corta.
Defender atrocidades como esta é coisa de quem deixa o cérebro de lado na hora de pensar. Ou, na melhor das hipóteses, trata-se do lamentável reinado do senso comum. Ele e seu perigoso exército sempre em posição de ataque.   ®
 Livros
Rubens Marchioni é publicitário, jornalista e escritor. Sócio da Eureka! Assessoria em Comunicação Escrita. Colunista da revista espanhola Brazilcomz, da canadense BrasilNews e da americanaBrasilUsa Orlando. Publicou Criatividade e redação. O que é, como se faz; A conquista. Um desafiopara você treinar a criatividade enquanto amplia os conhecimentos e Câncer de mama. Vitória de mãos e mentes, este último sob encomenda. – [email protected]http://rubensmarchioni.wordpress.com