Nascida na Bahia, Cristina Ortiz deixou cedo o Brasil para estudar piano na França e nos Estados Unidos. Tem mais de sessenta concertos em seu repertório, gravou inúmeros discos e é convidada com frequência para dar concertos e master class no Brasil e no exterior. Neste sábado, 13, ela volta ao Rio de Janeiro, para fazer um concerto na Sala Cecília Meireles, recém-aberta ao público, quando interpretará obras de Schubert, Bowen e Brahms. Radicada em Londres, ela repassa a sua carreira nesta entrevista.

Por favor, fale um pouco sobre você e sua trajetória:

Saí do Brasil aos 15 anos depois de ter vencido o Concurso Nacional, ganhando uma bolsa de estudos em Paris. Assim fui estudar com Magdalena Tagliaferro a quem havia acabado de conhecer quando ela deu master class no Rio de Janeiro; porém, ao invés de ir para o Conservatório francês, optei por estudar com ela. Permaneci em Paris três anos e meio com a minha mãe e com bolsas de estudo. A Magdalena conseguiu a segunda bolsa e a terceira, foi da Unesco. Meu pai, que trabalhava na Petrobras, também foi para Paris para ficar conosco.

Como foi ter aula com Magda Tagliaferro?

Ela era uma sumidade. Só tive uma aula particular logo que cheguei à França, pois ela realizava aulas públicas todas as quartas-feiras. Os alunos apareciam e havia público presente; então, não havia isto de estar preparado ou não para tocar com uma plateia, o que foi muito bom. Por que nunca ninguém está pronto para se apresentar e ali não existia isso. Ela comentava na frente dos outros o que os alunos interpretavam, nós escutávamos e aprendíamos; quando eu tinha alguma peça pronta me apresentava. O jeito de ela falar era sensacional e aprendi bastante com sua experiência e seu carinho. Quando saí do curso tinha todo o perfume da Magda Tagliaferro e toda sensibilidade rítmica brasileira, mas não sabia tocar Beethoven. Nesta época ganhei o concurso Van Cliburn, em 1969, e segui meus estudos nos Estados Unidos.

Qual foi a contribuição desta temporada nos EUA para sua formação?

Além de estudar com Rudolf Serki tive a oportunidade de participar dos festivais de Malbourgh que reuniam os grandes músicos cameristas do momento como o violoncelista Pablo Casals e o quarteto Guarnieri. O repertório camerístico sempre foi o mais importante para a gente se achar em música.

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O fato de ser brasileira atrapalhou ou ajudou sua carreira?

No começo da minha carreira tive medo de ser etiquetada e raramente tocava compositores brasileiros para evitar que dissessem que eu os interpretava muito bem e nada mais. Porém, no fim das contas, lógico que voltei ao Villa- Lobos quando a gravadora Decca me pediu que o gravasse. Assim registrei seus concertos e fiquei conhecida por este trabalho.

Algum maestro ou produtor disse que você não entenderia determinado compositor porque é brasileira?

Não, pelo contrário. Ninguém pode falar nada, pois nós temos ritmo. Meus alunos que me perguntam se vão ser capazes de executar a complexidade rítmica do Brasil (risos). Digo a eles que devem visitar o nosso país, ir ao carnaval e ouvir a batucada do samba.

Qual é a reação da plateia estrangeira diante da música brasileira?

Quando faço música brasileira sou extremamente rigorosa, porque tenho que voltar às raízes e cavar fundo o amor que a gente tem à terra. O problema não é a plateia, pois os próprios brasileiros desconhecem Villa-Lobos e demais compositores nacionais. Ninguém liga. Agora, estão fazendo uma campanha para popularizar Francisco Mignone e Alexandre Levy. Imagina! Toquei Levy aos dez anos e depois nunca mais. Outro autor brasileiro que admiro é Fructuoso Vianna que toco no mundo todo. Quando tinha doze anos, minha professora me levou para tocar para ele e eu o considerava o Schumann brasileiro porque ele fazia aquelas peças curtas, lindas e graciosas. Mais tarde, ele dedicou uma peça a mim, Schumaniana, que fiz questão de fazer o primeiro registro mundial no meu álbum. (Nota: Esta gravação pode ser ouvida no disco Alma Brasileira: Panorama du Piano Brésilien du XXe Siècle, selo Intrada).

Você acha que teria as mesmas oportunidades estando no Brasil?

Não. O Brasil é imenso e não tem estrutura. Para um pianista se formar é preciso escutar os outros e os grandes músicos e orquestras só passam por São Paulo e pelo Rio de Janeiro, infelizmente. Ninguém vai ter chance de ter uma carreira ficando no Brasil e o máximo será conseguir ser um bom professor e, aliás, no Brasil, temos muita gente boa.

E quais são seus planos para o futuro?

Continuo dando concertos, mas hoje me dedico a dar master class, tanto no Brasil como no exterior. Gostaria de discutir qual o futuro do piano e da música no país e, no futuro, quero fazer a obra “Rude Poema”, de Villa-Lobos. Viu? Quanto mais a gente vive fora, mais a gente vira brasileira!

Para conferir o trabalho de Cristina Ortiz:

Juliana Bezerra escreve neste espaço e nos blogs Rumo a Madrid e Um Ano Na Espanha.