A cineasta brasileira Adriana Cursino, residente em Madri, apresentou os documentários “Estado de Seca” e “Viagem a Yebisah”, durante o Festival Psicotrópicos, dedicado à arte contemporânea brasileira. Com temáticas bem distintas, o primeiro fala sobre a seca no Vale do Jequitinhonha, e o segundo nos revela outro lado da cidade de Ibiza. Carioca, mas criada entre Minas e o Rio de Janeiro, Adriana Cursino mora em Madri desde 2010 e, atualmente, é bolsista da CAPES pelo programa Ciência Sem Fronteira e cursa o pós-doutorado na Universidade Carlos III. Em depoimento ao Buxixo ela nos conta um pouco da trajetória de cada filme.

Adriana Cursino em ibiza

Estado de Seca

O curta “Estado de Seca” surgiu de um questionamento da cineasta: como é viver com a ausência da água? Através do meu pai, que era engenheiro e responsável por levar água às comunidades, descobri o Vale do Jequitinhonha. Ali está registrado um dos maiores índices de miséria e seca do Brasil.

O projeto foi contemplado com verba do programa Petrobras Cultural e recebeu apoio da produtora Cara de Cão. Comecei a pesquisa em 2004-2005, justamente na época do recadastramento do programa do Bolsa Família. Ficava muito indignada com as pessoas que criticavam esta ajuda do governo enquanto estavam estudando em uma faculdade privada e comprando roupas caras, ignorando anos de exploração e da falta de distribuição de renda que existem no país.

Durante a pesquisa conheci o João, agricultor que vive com a família em uma escola abandonada. Ele é um filósofo nato e não se vitimiza diante desse estado social. A relação dele com o dinheiro é muito interessante, pois ele dizia que “é igual ao vento, a gente tem que saber controlar, porque ele passa na mão da gente queimando”.

Adriana Cursino em ibiza (2)

As plateias estrangeiras ficam encantadas porque o João é simples e fala uma linguagem universal. Além do mais, há uma reflexão sobre o que é realmente necessário para vivermos, porque o João vive com 47 dólares por mês e tem quatro filhos.

O curta foi para vários festivais do Brasil, como Tiradentes e Ouro Preto. Foi convidado para o Autres Brésil, em Paris; e entrou para o acervo do Ministério da Cultura.

Viagem a Yebisah

Após defender a minha tese de doutorado, fui passar férias em Ibiza. Percebi que muitos moradores se incomodavam com o fato do local ser associado às discotecas quando há um passado histórico, cultural e místico na Ilha.

Fui conhecendo pessoas que não estavam ligadas diretamente ao mundo do turismo de discotecas e praias, e assim me revelaram “outra Ibiza”. Entrevistei um fotógrafo americano que optou pela cidadania espanhola porque não queria lutar no Vietnã; os donos do bar “Las Dalias”, que Bob Marley frequentou; um casal de brasileiros que foi morar ali para escapar da ditadura militar; e ouvi histórias místicas a respeito da Pedra de Es Vedrà.

Infelizmente, vários empresários só pensam em ganhar dinheiro com o turismo de discoteca e festas. Aqueles que se dedicam ao turismo cultural têm muita dificuldade de conseguir verbas ou atenção para determinados projetos.

Fiz este filme por amor à arte somente com o apoio de uma produtora de Ibiza. Viagem a Yebisah foi projetado em Ibiza e em Madri com ótima receptividade. Agora, estou levando-o para festivais espanhóis.

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