Um dia desses, após insistentemente chamar um garçom à minha mesa para pagar uma conta, percebi que seria melhor me levantar e ir até o caixa (certo que com isso eu evitaria o constrangimento de passar mais tempo como um homem invisível e ceder a minha mesa para pessoas que esperavam de pé, em um ambiente que estava relativamente cheio).

Na fila do caixa, ao chegar a minha vez, um colaborador da casa esbaforido e com uma bandeja vazia na mão passa à minha frente e repete de forma enérgica para a moça do caixa: -“A mesa três quer fechar, a mesa três quer fechar”!
Com calma e um sorriso no rosto perguntei ao apressado garçom: -“Amigo, gostaria de saber por que a mesa três merece a emergência do seu pronto atendimento, enquanto eu tive que me levantar de minha mesa para pedir a minha conta… E a propósito, enquanto o senhor atropela a minha vez para fechar a conta de um cliente o senhor me desconsidera pela segunda vez como tal”.
Os segundos pararam na cabeça daquele trabalhador nesse momento e a confusão (que reconheço em sua labuta) foi substituída por uma clareza de olhar naquela expressão facial que remete o reconhecimento de um jogador de futebol quando comete uma falta…
Atrás de nós, o gerente da casa -sem a minha consciência, pois eu realmente dispenso a criação de casos em estabelecimentos comerciais- que assistia a tudo gesticulando negativamente com a cabeça, esperando a sua vez para entrar na “história”.
Ele disse ao garçom: -“Alaor, Alaor! A gente aqui com a honra de receber o Zappa e você dá uma mancada dessas”?
Provavelmente o Alaor não me conhecia, mas o gerente da casa imaginava que sua intervenção fosse algo simpático, que conquistasse a
minha vaidade a ponto de eu passar sobre qualquer erro de atendimento do pobre Alaor. Ledo engano!
Sem me desfazer do sorriso, disse ao gerente: -“O senhor deve ser o gerente da casa, não? Então não me custa agradecê-lo pelo reconhecimento, mas devo dizer que estou aqui como qualquer cliente… Na verdade eu só reclamei para evitar ser tratado como um cliente qualquer. A propósito… Não estimule o nosso Alaor a tratar diferenciadamente os clientes conhecidos, talvez por isso eu tenha ficado em segundo plano de atendimento. E nenhum cliente gosta disso, posso garantir”!
Essa lição pode ter ficado para o gerente, para o Alaor e até para o leitor que se sente mais importante quando ganha privilégios ao ser posicionado como topo hierárquico em qualquer esfera. Essas são as “carteiradas” de cada dia que devemos evitar… Reclamamos de juízes, homens públicos, mas queremos as prerrogativas da “pulseira vip” no primeiro tapume que abrir as portas para a nossa presença (que supomos diferenciada).
Essa é a lição que pais devem deixar aos filhos, chefes devem deixar aos subordinados e colegas devem transmitir entre si… Que nossos tamanhos e poderes têm que ser algo que construa… E não que nos separe ainda mais.

juiz

ⓒ2014 – Zappa