No Café com Letraz desta semana, convidamos para a nossa tertúlia literária, o meu queridíssimo Mário Barreto França – o que há de melhor na poesia cristã! Mário Barreto é “um poço de sabedoria” em três palavras,  além de possuir um estilo único de escritura não se encaixando exatamente em nenhum movimento literário específico – ele sozinho é  todo uma escola! Ao final da matéria falamos mais sobre o autor. Ao longo das seguintes edições irei postando mais poemas seus, combinado?

Agora vamos ao que interessa: o poema da semana! E que poemaço…

Com todos vocês…

“MOÇA, ME DÁ UMA ROSA?” 

“Fica sempre um pouco de perfume”:

https://www.youtube.com/watch?v=lCsYz7Rc_b4

 jardin2

“Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.”
(Vinícius de Morais)

       Brasil, país de contrastes, onde num mesmo bairro convivem  o polo dos pobres, miseráveis, mendigos e o polo das famílias ricas e abastadas cujas relações interpessoais nem sempre são “cordiais”. Neste imenso e belo país tropical, com toda sua diversidade você contempla uma salada de cores: ostentação e riqueza mescladas com a miséria, pobreza e favelas…

A jovem rica, loira habitante de um palacete ajardinado de roseirais

e o pobre favelado, negrinho, órfão, sem amor, sem cor, sem flor…

     Outro ponto contrastivo e polêmico é a diversidade de raças, etnias e mestiçagem gerando grande variedade de tipos étnicos muitas vezes indefinidos e que geram uma série de problemas na hora de definir quem somos, nossa “identidade nacional”… Nos Estados Unidos por exemplo, a “etnia” (essa é a palavra) de uma pessoa, muito mais que sua cor de pele e aparência, é definida também pela ascendência dos progenitores, como de que raíz eles provêm: caucásica, semítica, africana, asiática, etc.

    Como americanos que somos (digo, como “aborígenes do continente americano”) todos deveríamos ser de etnia “indígena”, mas devido às invasões estrangeiras de outrora, à luta por conquistas de terras alheiras,  ao afã pelo domínio e pelo poder, agora o resultado é esse:  um gravíssimo  problema social – o trinômio preconceito-excusão-violência – o que, diga-se de passagem-  não contribui em nada para o nosso crescimento enquanto nação de forma geral e/ ou enquanto seres humanos, em particular.  Despertêmo-nos, ó povos, e em lugar de discrimar o próximo por o que quer que seja, vamos aproveitar o que ele tem de bom para oferecer (ainda que seja somente seu lindo sorriso) contribuindo assim para fazer deste mundo, um lugar melhor para se viver… Aceitam o convite?

     Contudo e tudo, com tantas campanhas de concientização, tantos anúncios, o esporte para ajudar, ainda assim sobrevive e perdura o triste, desolador, injusto e desumano preconceito étnico – temática essa abordada veementente no poema abaixo.

       Contemplemos, então, todo esse cenário neo-barroco brasileiro através das palavras poéticas de Mário Barreto França!

 

         Se você quiser ouvir a sublime narração deste poema por Serlene Furquim de Oliveira, clicar no  link a seguir:

(Nesta narração se suprimem as estrofes 3, 4, 5, e 6 abaixo, destacadas em vermelho)

 

MOÇA, ME DÁ UM ROSA?

rosa

Era um triste contraste aquele, distinguido

Numa encosta escarpada e num vale florido:

Lá no morro, o barraco ao vento se inclinava;

No vale, um palacete, entanto, se enfeitava

De rosas, de jasmins, de pássaros joviais

Que adejavam, cantando, os lindos roseirais…

mans#ao e rosas

 

O barraco de zinco e o bangalô de pedra

– Onde a miséria mora e onde a fartura medra –

Eram naquela parte estreita da paisagem

Antônimos cruéis que, na louca voragem

Da vida singular, excêntrica ou profana,

Confundem na incerteza a indagação humana…

 

Qual a causa que leva um dia a Onipotência

A dar rumo diverso a cada uma existência,

Que às vezes se coloca em destaque chocante,

Como revolta muda ou protesto gritante?

Por que, sem ter noção ainda do pecado,

Há de nascer alguém surdo, cego, aleijado?

Por que será, meu Deus, que, pobre e sofredor,

Se arrasta, muita vez, quem só pratica o amor?

E o eco repercute, ao longe, os brados meus:

– Para ser manifesta a grandeza de Deus!

barraco 

No casebre de zinco, um garoto pretinho

Vivia a contemplar das palhas do seu ninho,

Lá embaixo, ao sopé do morro proletário,

O formoso jardim do seu sonho diário

Que, à sua alma infantil de ingênuo espectador,

Representava o céu numa festa de flor.

jardim1
Numa certa manhã de ensolarado brilho,

O garoto desceu do morro, maltrapilho,

E ficou enlevado, a contemplar, assim,

O viço tropical de tão belo jardim…

 Como era tudo ali cromático e festivo!

casa e jardim

 

Porém aquela flor, de rubro muito vivo,

Exercia sobre ele uma fascinação,

Que a mundos irreais sua imaginação

Levava a percorrer em voos de magia,

Nas asas alvi-azuis de sua fantasia…

 rosa

E, nesse doce enlevo, angélico semblante

Ele descortinou, olhando-o fascinante,

No veludo-cristal da corola formosa

Daquela rubra flor, daquela linda rosa…

E, a seu ávido olhar, a aparição amada

– Anjo, deusa ou visão de algum conto de fada

Saiu da inspiração de um sonho rosicler,

Para se revelar simplesmente mulher:

Jovem, de olhos azuis e loira cabeleira

– Nova Branca-de-Neve ou Gata Borralheira…

loira


E por isso ensaiou um pedido inocente:

“- Moça, me dá uma rosa, uma rosa somente?…”

negrito

Mas a jovem falou com desprezo invulgar:

– Vá embora daí! Não torne a importunar!

O garoto ficou ainda um pouco parado;

Depois, triste, baixou os olhos, humilhado,

E saiu arrastando os pés, devagarinho,

Pela esteira sem luz do seu pobre caminho.

Como lhe pareceu tão mau e injusto o mundo;

Sufocou na garganta um soluço profundo,

Numa interrogação que ficou sem resposta:

– Por que, por que de mim essa moça não gosta?

Por que ao desgraçado aqui se nega tudo,

Até mesmo uma rosa? … uma rosa?!…

 negrito

Contudo,

Tão pouco ele queria! E esse pouco, entretanto,

Lhe negavam sem dó, para aumentar-lhe o pranto…

  O mundo é sempre assim: esconde a mão ao pobre,

Para fartar na orgia os caprichos do nobre!

No outro dia, bem cedo, às grades do jardim,

O garoto de novo estava a olhá-lo, assim:

roseiral

Na ânsia de retratar na alma sentimental

O quadro multicor daquele roseiral,

Para poder sentir, dentro da própria vida,

O sonho irrealizado, a glória inatingida…

 

Quando a jovem surgiu de novo, entre os canteiros,

Seus olhos outra vez brilharam prazenteiros,

E cheio de esperança, à jovem tão formosa,

Com ternura pediu: Moça…, me dá uma rosa?…”

loira2


Agastada, porém, com o pedido insistente,

A jovem lhe negou o esperado presente:

– Vá embora daí, se não eu chamo um guarda!…

negro chorando

Temendo a intervenção enérgica da farda,

O pretinho correu em direção ao morro,

Lançando ao ar parado um grito de socorro,

Que não achou, naquela esplêndida manhã,

Qualquer repercussão na piedade cristã…

 

 negrito chorando


O tempo começou a mudar de repente;

Fatídico soprava o vento fortemente.

Tremendo, o órfão entrou no barraco de zinco;

Viu as horas passar: duas, três, quatro, cinco…

E ele, que lá vivia apenas por favor,

Não tinha pai nem mãe, ele não tinha amor…

 

Deitou-se; adormeceu, sonhou com o paraíso.

negrinho durmindo

– Edênico jardim – onde ele viu, iriso,

O sol resplandecer numa rosa vermelha

– Sua rosa vermelha! – e ante ela se ajoelha…

rosa2

Nisto, estranho rumor, como um forte trovão,

Fê-lo um anjo notar, levando-o pela mão,

Para, de um lindo quadro, erguer o tênue véu:

– Ele entrava no céu… ele entrava no céu!…

 

Mas, na manhã seguinte, ouviu-se o comentário:

Durante o temporal, no morro proletário,

Houve um desabamento; e o pretinho – coitado! –

Ingênuo sonhador – morrera soterrado…

morro

Sob um sol indeciso, à hora costumeira,

Regava o seu jardim, a jovem jardineira.

jardineira

Por um gesto instintivo, ergueu o olhar às grades:

– Vibrava no éter frio as ondas das saudades –

jardineira meio corpo

Não viu, como esperava, o rosto do pretinho:

– Não voltaria mais? Seguira outro caminho?!…

 

E, nessa confusão de um vago sentimento,

Sentiu no coração fundo arrependimento

De não ter satisfeito o anseio do menino…

Foi quando alguém lhe trouxe a notícia:

– O destino

Tinha roubado a vida ao pequenino triste!…

Ela não pôde mais; ela não mais resiste,

Prostrando-se a chorar…

jovem chorando
E, logo, decidida,

Tirou de seu jardim, não só a flor querida,

Mas todas; e as levou com carinho e cuidado

Pra com elas cobrir o corpo inanimado

Do pretinho infeliz…

mais rosas

 E ele, que não tivera

Na existência um lençol, ganhou da primavera

Um manto todo em flor, a envolver-lhe, afinal,

Com carinho e perfume, o corpo angelical…

coroa

* * *

No contraste da vida infausta ou abastada,

Nós somos muita vez como o órfão e a galã,

Negando do consolo uma rosa encarnada,

Para as faltas de amor chorarmos amanhã…

E ao peso acusador de líricas saudades,

Vamos levar depois às mortas ilusões

Todo o rubro rosal das oportunidades,

Que deixamos passar sem úteis decisões…

Que possamos abrir as grades do egoísmo

E oferecer a quem suplica afeto e paz

A rubra flor da fé do eterno cristianismo,

Que na alma, a rescender, não murcha nunca mais!

 

jardin

 

Mário Barreto França, o general-poeta

 (Por Filemon F. Martins)

Mário Barreto França nasceu no Recife, Pernambuco, no dia 14 de fevereiro de 1909, neto do grande Jurisconsulto, Filósofo, Professor e Poeta sergipano Tobias Barreto de Menezes.
Pertenceu ao Exército Brasileiro e destacou-se não só como militar, mas também como poeta e cultor das letras, tendo sido membro da Academia Evangélica de Letras e do Cenáculo Fluminense de História e Letras. Colaborador efetivo do Jornal Batista, editado no Rio de Janeiro e de circulação nacional, Mário Barreto França escreveu inúmeros livros de poesias, crônicas, contos e memórias, entre outros “NO JARDIM DO SENHOR”, “SOB OS CÉUS DA PALESTINA”, “DE JOELHOS”, “O LOUVOR DOS HUMILDES”, “UM CAMINHO NO DESERTO” e “RIOS NO ÊRMO”.
Sua poesia é bela, inspirada, profunda e de uma espiritualidade que fala ao coração, agradando ao mais exigente leitor. Porque fala de Deus, fala do Amor, do Bem, da Fé e da Esperança, conforme se observa nos versos a seguir:

“Na sinfonia rústica da vida,

os humildes, Senhor,

à voz da natureza agradecida

irmanam seu louvor.

É o dueto da Crença e da Verdade,

de Maria e José;

É o canto inspirador da Caridade,

da Esperança e da Fé.”

O Sociólogo e crítico literário Mário Ribeiro Martins no livro “ESCRITORES DE GOIÁS” no capítulo de POETAS DO EVANGELISMO BRASILEIRO, páginas 711 a 714, afirma “que o poeta estudou no Recife, Santos e Niterói, onde bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido professor de Português, Matemática, Ciências, Educação Física e como jornalista, era filiado à Associação Fluminense de Jornalistas.”
Pertencente à comunidade Batista, seus versos ainda são declamados em incontáveis Igrejas Evangélicas espalhadas pelo Brasil, sendo, portanto, um dos mais conhecidos e amados poetas brasileiros. Sua obra é numerosa, escreveu também: “E OUVIU-SE UMA VOZ DO CÉU”, “COMO AS ONDAS DO MAR”, “VEJO A GLÓRIA DE DEUS”, “MADUREIRA CHOROU NA PRISÃO”, ( Biografia de ex-detento) “PELAS QUADRAS DA VIDA” e “UM SONHO MODIFICOU MEU DESTINO”.
Alfredo Mignac, poeta, dedicando-lhe um soneto, assim se expressou: “A Mário Barreto França, esse poeta insigne da Denominação, recebendo na Bahia a merecida sagração na apoteose sublime da sua poesia evangélica.”
Sonetista de primeira, cultivou como ninguém a arte do soneto, como se vê nestes versos:

“Sim, eu sei a injustiça que hei sofrido.

Que vontade me vem de protestar!

Mas, domino este impulso e, decidido,

continuo servindo à Pátria e ao lar.

…………………….

Não choro ter, ó Deus, algo perdido,

pois sei que muito mais tens para dar.

O que me dói é ver o amor fingido

em ter-se, a qualquer preço, um bom lugar…

…………………….

Quanta ambição de alguns o peito invade,

pois, para alimentar sua vaidade,

mancham e ofendem de outros a moral.

…………………….

E, nesse anseio de melhor destino,

esquecem de Jesus o nobre ensino:

– “A cada dia basta o próprio mal!”

Trovador magnífico, escreveu trovas primorosas e líricas, como estas:

“Saudade, de quando em quando,

provoca mágoas e dores,

pois vai de amores matando

quem vive lembrando amores…”

“Fui menino, moço, e, agora

por que mudei tanto assim?

Lembrando os tempos de outrora,

tenho saudades de mim…”

Ainda em vida, recebeu condecorações militares, títulos honoríficos e medalhas do Pacificador, Maria Quitéria de Jesus, Mal. Caetano de Farias e outras distinções.

Participou da Coleção “Nossas Trovas”, 1973, “Nossas Poesias”, 1974 e “Anuário de Poetas do Brasil,” Rio de Janeiro, 1975, 1976 e 1977, 2º volume, organização do saudoso poeta Aparício Fernandes.
Está presente na Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho e J. Galante, edição do MEC, 1990, com revisão de Graça Coutinho e Rita Moutinho Botelho, edição revista e atualizada, em 2001.

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