A Academia Brasileira de Letras e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) realizaram ontem (9) uma mesa-redonda com o tema Biografias. E agora?, em que a acadêmica e escritora, Ana Maria Machado, que foi a moderadora dos debates, disse que a intenção de promover a discussão era celebrar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de considerar inconstitucional exigir autorização prévia para divulgação de biografias.

“Todo esse processo nos mostrou quanto é possível avançar dentro de um marco institucional democrático. Aprendemos que valeu a pena recorrer ao Judiciário, pois ele correspondeu como era de se esperar”, disse ela. A acadêmica acrescentou que, como aconteceu no STF, agora vale a pena discutir o tema no Congresso, onde estão tramitando algumas iniciativas sobre o assunto.

“Pela esperança que temos que o bom senso prevaleça em todas as instâncias e que não possa acontecer de uma eventual ambiguidade, ainda que bem-intencionada, que deixe brechas para qualquer decisão arbitrária que venha se confundir com censura”, completou Ana Maria Machado.

No encontro, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) negou que a emenda ao projeto de biografias não autorizadas, apresentada por ele, impeça a liberdade de expressão. Ele defendeu que um dos objetivos é dar mais rapidez ao processo de contestação de trechos considerados ofensivos pelo biografado.

De acordo com o senador, em nenhum momento a emenda entra em conflito com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Para Caiado, a emenda também não deve ser confundida com censura prévia e nem posterior. Ele destacou que quando estabelece o recurso a um Juizado Especial Cível por parte do biografado para combater calúnias ou difamações, a ideia é fazer um acordo entre as partes para que, numa próxima edição, o texto considerado abusivo possa ser retirado da obra.

“Não existe nada no texto apresentado por mim como emenda que possa ser caracterizado como censura, que possa ser caracterizado como retirada de obra. Nada. Um acordo em que lá não se pode indenização, não se discute criminalização e não se discute retratação”, explicou.

O editor Roberto Feith, representante da Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) e do Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel) tem um entendimento diferente da emenda do senador Caiado. Na avaliação dele, a emenda determina a supressão como única solução independentemente da natureza da reclamação.

“Toda e qualquer reclamação por calúnia ou difamação, pela lógica da emenda, caso acolhida pelo Juizado Especial, resultará na supressão. É a emenda que banaliza a supressão, banaliza o corte da obra e claramente contradiz o ponto de vista explícito do Supremo Tribunal Federal”, analisou.

O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), relator do PCL 42/2014 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, disse que a discussão na casa se concentra “em varrer da ordem jurídica brasileira vestígios do entulho autoritário produzindo ao mesmo tempo uma legislação adequada e afinada aos princípios do estado democrático de direito e que contribua para a afirmação de uma cidadania ativa”.

Segundo ele, o texto do Código Civil, foi um grande avanço para a sociedade brasileira, mas contém imperfeições que estão sendo corrigidas tanto no Congresso como no STF. Este é o caso do artigo que trata de regulação de escritos e divulgação da palavra. O senador disse que há um conflito entre a norma editada no artigo 20 do Código e o direito à liberdade de expressão e ao acesso à informação.

O senador argumentou que figuras públicas são muitas vezes protagonistas na formação de símbolos, cultura e história da nação. Para ele, aqueles que fazem opção por vida pública possuem diversos bônus, mas também precisam arcar com os ônus advindos da escolha.

“Estar exposto aos interesses da coletividade acarreta inevitavelmente um estreitamento da sua intimidade. Vincular a liberdade de escritores, biógrafos, jornalistas ou historiadores de retratar a vida de personagens públicos a uma previa autorização é uma ameaça à memória coletiva do país”, afirmou, destacando que a censura é uma prática completamente inaceitável em um país democrático.

O acadêmico Celso Lafer, que também participou da mesa-redonda, disse que o assunto é uma matéria complexa e difícil de ser resolvida com procedimentos mais simples. Ele considerou ainda que não há dúvida alguma de que a justiça brasileira é lenta, mas não é só em relação a processos que envolvem questões referentes a biografias: “A Justiça é lenta para isso e para muitas outras situações”.

Citando o escritor Machado de Assis, em Esaú e Jacó, ele se referiu ao trecho em que o romancista diz que existe aquele “invencível desejo humano de conhecer a vida alheia, que é muita vez toda necessidade humana”. E o acadêmico completou: “O que contribui para explicar porque as biografias suscitam tanto interesse”.

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Com informações da Agência Brasil

Por:Cristina Indio do Brasil – Agência Brasil

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( Texto retirado na íntegra )