“Viver nos Estados Unidos é bom, mas é uma merda; viver no Brasil é uma merda, mas é bom.” (Tom Jobim)

 

O que há de tão intrigante nessa resposta de Jobim, quando perguntado por Frank Sinatra por que não se mudava de vez pros Estados Unidos? Ao que se referia sobre o bom ou ruim de cada país? Certas perguntas foram feitas mais pra pensar do que para serem respondidas… Depois de dez anos morando na Espanha, decidi comparar, sob o meu particular ponto vista, o que há de melhor e pior entre morar no Brasil ou aqui, na Catalunha. Acho que sou o sociólogo que eu conheço que mais odeia generalizações, mas… Vamos lá!

 

  1. Se você já sofreu ou sofre preconceitono Brasil por causa da cor da sua pele, prepare-se para viver novas emoções. Se, ao contrário, for daqueles que nunca passaram por isso, bem-vindo ao mundo de ser confundido com um árabe, com um europeu do leste, com um cigano… e essa pode não ser uma boa sensação, numa Europa cada vez mais xenófoba, cada vez mais preconceituosa, cada vez mais racista.

 

  1. Na saúde pública, por exemplo, se você conseguir chegar a um médico de cabecera(o clínico-geral que será designado dependendo do lugar onde você mora), terá enormes possibilidades e raras exceções de ser muito mal atendido, sentir-se maltratado, mal ouvido e de sair pior do que entrou naquele consultório, onde o profissional nem se preocupou em olhar pra sua cara… Se você já passou por isso no Brasil, como regra ou exceção, verá que pagar um plano de saúde como alternativa não é algo tão comum aqui, como lá no Brasil. Eu nunca pensei em pagar (e nem sei se teria condições de pagar) por um plano de saúde privado espanhol. Agora, sem dúvida, o maior desafio mesmo é conseguir o cartão da saúde pública. Pelo menos para a imensa maioria, que eu acho que bem conheço, de imigrantes em situação irregular que vivem na Espanha. O governo atual, de direita, do PP, proibiu. Em alguns lugares (principalmente onde o PP vem perdendo votos e eleições), já se fala em voltar a conceder o direito de serem atendidos na saúde pública a alguns imigrantes. Por outro lado, em determinadas áreas, os serviços de saúde pública podem ser considerados referências internacionais.

 

  1. Em educação, infelizmente, nem cabem muitas comparações. O Brasil só sabe falar de importância da educação em véspera de eleições. Por mais que tenhamos avançado nos últimos anos, esse ainda é o nosso eterno dever de casa.

 

“Descobrirá que não somos o povo mais desinibido do mundo, que nem todo espanhol dança flamenco e que nem todo brasileiro nasce sambando” 

  1. Se você passou sua vida reclamando que os brasileiros, em geral, são muito extrovertidos (exageradamente “abertos”), prepare-se para passar o resto da sua vida reclamando que os espanhóis, em geral, são bem mais “fechados” que a maioria dos brasileiros. Daí, se um dia você subir ainda mais pela Europa encontrará europeus do norte dizendo que os do sul são exageradamente “abertos”. Esses, então, nem convide pra visitar o Brasil. Por outro lado, vários espanhóis já me disseram que um brasileiro parece sempre querer ter “um milhão de amigos”(aquela síndrome da música do Roberto Carlos, “e bem mais forte poder cantar…”). Um milhão… e nenhum, ao mesmo tempo. E que eles, os espanhóis, ao contrário, alimentam umas poucas amizades firmes, de coração. Será verdade?

 

  1. Morando na Espanha, prepare-se para descobrir que, na verdade, os brasileiros não são aqueles preguiçosos que vivem na praia, sambando, num carnaval eterno (se é que você ainda não sabia disso…). Daí, tentando compreender esse país, a Espanha, você começará a imaginar que os espanhóis sim são preguiçosos. Depois, descobrirá que isso também não é verdade. Conhecendo bem, descobrirá que os alemães, por exemplo, trabalham menos horas que os espanhóis (e que, em média, ganham o dobro de salário). Bem-vindo então às grandes revelações sobre as enormes contradições no mundo do trabalho capitalista, ansioso por mais produtividade e por tornar cada vez mais precárias as relações de trabalho. Agora, isso sim, na hora que você mais precisar, naquela hora de comprar o que você mais necessita, descobrirá que o comércio do bairro, aquele mais próximo, pode fechar de 13h ou 13h30 e abrir às 16h30 ou 17h, por exemplo. La hora de la siesta?! Tenho amigos espanhóis que me dizem, convictos, que esse é um mito tão forte quanto aquele tal eterno carnaval brasileiro… Daí a pouco, você começará a perguntar-se, como Jobim, se as pessoas, sejam de onde for, possuem algumas características universais e verá que nem tudo é bom, nem tudo é uma m…!Descobrirá que os espanhóis também se atrasam, que os brasileiros também têm os seus estresses particulares por excesso de trabalho, que a saudade não é uma palavra exclusiva da língua portuguesa, que não somos o povo mais desinibido do mundo, que nem todo espanhol dança flamenco e que nem todo brasileiro nasce sambando…

Por enquanto, essas referências poderiam parecer ser mais que suficientes. Mas, outra vez, lhes peço atenção!

 

“A bolha imobiliária nunca desinflou totalmente. Somente a Espanha ainda tem uma terceira parte de todos os imóveis desocupados de toda a Europa.”

 

  1. A)Não pense em morar na Espanha somente pela referência de um determinado amigo ou conhecido. Consulte outras fontes.As mais diversas possíveis, por favor. O que para uns pode ser amarelo, para outros pode ser azul. Ambas as cores perfeitamente válidas e legítimas em suas determinadas visões de mundo. Sem falar que alguns brasileiros que moram na Espanha podem não querer dizer a verdade sobre a sua dura vida, pela vergonha de haver fracassado no seu projeto migratório… Ou simplesmente exageram, por só querer agradar ao interlocutor.

 

  1. B)Assim como não é o mesmo morar em Copacabana ou na Amazônia, nem toda a Espanha é única e igual. A Espanha é uma imensa colcha de retalhos, alguns mal costurados, outros anexados à força, séculos atrás…

 

  1. C)Não caia no conto do vigário de que a crise na Espanha está acabando.Aproximam-se eleições e, por aqui, a bolha imobiliária nunca desinflou totalmente. Somente a Espanha ainda tem uma terceira parte de todos os imóveis desocupados de toda a Europa. Enfrentou uma média de até 300 (você não está lendo errado; eu falei 300!) processos judiciais de despejo executados em um único dia. A única coisa que está mudando é que antes eram famílias hipotecadas, condenadas eternamente a pagar juros aos bancos (que hoje ainda lucram mais do que nunca). E que agora estão na moda os despejos dos que não podem pagar aluguel. Milhares de famílias, com crianças inclusive, jogadas na rua. Somente na Catalunha, onde eu moro, a Plataforma de Afetados pelas Hipotecas – de onde saiu a atual Prefeita de Barcelona – ainda fala em uma média de 43 ordens de despejo diárias!

 

  1. D)E, por último, mais do que nunca, desperte sua capacidade crítica. Não se deixe enganar por qualquer opinião. Nem mesmo pela minha. Por mais que eu tenha vivido e convivido com a comunidade brasileira, no meio das associações, dialogando com os brasileiros em toda a Europa, nunca digo que conheço suficientemente o que é ser um brasileiro na Espanha – até porque não acredito que deve haver um único e influenciador ponto de vista. Um sonho é uma coisa muito importante para se deixar influenciar somente pelo que você leu nessa ou naquela revista. A única coisa que eu posso te garantir é que, morando fora do Brasil, prepare-se para umas grandes e últimas certezas, que eu sempre repito: você amará ainda mais o seu país, sentirá saudades de coisas que nunca antes imaginou, descobrirá que conhecia muito pouco o nosso imenso, diverso e complexo Brasil, que ainda nem havia explorado o melhor que ele ainda teria pra lhe oferecer, terá vontades repentinas de pegar um voo pra voltar… e no outro dia pensando que voltar e re-recomeçar a vida seria uma grande besteira, acordará pensando em aproveitar o melhor do puebloespanhol onde você vive agora, como se esse fosse o último ou o melhor dia da sua vida.

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Aquele abraço!

 

Flávio Carvalho. [email protected]

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