É bem provável que quando estiverem lendo este texto na revista, eu já tenha comemorado 10 anos de chegada para morar em Barcelona. Foi no dia 6, daquele agosto de 2005. E esse aniversário é também, pra mim, momento de fazer balanço, perguntar-se. Espero que a minha perspectiva pessoal possa seguir ajudando a dialogar sobre a vida de outros migrantes. Continuo sendo um daqueles que acreditam que uma boa pergunta pode valer mais que 10 respostas. Fiz, então, uma lista das 10 perguntas que mais me apareceram nesses últimos tempos. 1. “Qual o melhor lugar pra viver: Olinda ou Barcelona; Brasil ou Espanha”? Não sou maniqueísta nem masoquista. Adoro complementaridades e dualidades, que não se confundem com contradição. Quando eu estava no Brasil, tentava aproveitar ao máximo o melhor do meu país. Aqui, procuro fazer o mesmo. Assim vou vivendo… 2. “Voltarias ao Brasil”? Claro que sim. Se eu tivesse uma excelente oferta de trabalho (e de lugar para viver) que satisfizesse TODAS as necessidades e sonhos, minhas e de minha família. Buscaria no Brasil a felicidade que também busco aqui, cada dia. No momento, pelo menos tenho trabalho; o que na Espanha, hoje, já é animador. Movem-me, minhas utopias. E considero que qualidade de vida não é somente uma coisa que vem de fora pra dentro. Não é uma cidade que aporta qualidade de vida pras pessoas e sim o que as pessoas fazem, individualmente e coletivamente, pra aproveitarem bem a cidade onde vivem; ou seja, pra si próprias. Portanto, não passa pelos meus planos agora o retorno. Planejar sim é muito importante para mim. Mas também não tenho nenhum preconceito em desejá-lo, aceitá-lo ou sonhar com o retorno, dependendo das melhores condições. Mas, quem disse que eu só devo pensar em morar no Brasil ou aqui e não em outros países? 3. “Como é o brasileiro? Como é o espanhol?”. Não existe uma simples definição sobre um e outro. Igual que na pergunta 1, também não sou reducionista. Amo a diversidade e tenho várias opiniões sobre os brasileiros e sobre os espanhóis, destacando mais as diferenças do que as generalizações. Felizmente, ninguém é igual a ninguém. 4. “Qual o melhor país pra criar os filhos”? Aquele onde houvesse maior condição de que eles estivessem mais felizes perto dos pais. Um colega senegalês me convenceu disso, anos atrás. 5. “Seguem chegando brasileiros na Espanha”? Claro que sim. Na mesma incontável proporção em que continuam viajando espanhóis para o Brasil. A pergunta é: por que os países resistem tanto em encarar, contar, conhecer, dialogar com seus contingentes de emigrantes tanto quanto se esforçam em criar muros, fronteiras, dificultar entradas e discriminar seus imigrantes? 6. “Do que mais sentes saudades”? Felizmente, daquelas coisas que já não voltam mais (leia o texto do mês passado). 7. “Recomendarias Barcelona, Catalunha, Espanha ou Europa, como lugar para morar”? Sem dúvida, novamente a resposta é sim. Principalmente considerando as mesmas condições da pergunta 2. Aliás, não somente recomendo como, hoje, tenho convicção de que a experiência de morar fora (na verdade, de sair um pouco de si mesmo, nem precisando ir tão longe) engrandece a vida de cada pessoa. “De perto, ninguém é normal”. O que mais me preocupa nesse momento é o outro lado dessa moeda: a quantidade de pessoas que se sentem obrigadas a mudar de vida para sobreviver ou são exiladas, refugiadas, etc., não somente pelas guerras verdadeiras, mas também pelos conflitos internos que muitas vezes enfrenta nos seus projetos de vida. Pensem nisso, por favor.

 

  1. Por que são tão desunidos os emigrantes brasileiros”? Isso não é verdade. Muito pelo contrário. Como sempre, os conflitos ganham sentido negativo e vão pra “primeira página”. Mas “o resto do jornal” está cheio de histórias solidárias e exitosas. Nesses 10 anos, isso eu posso garantir. E teria centenas de boas histórias pra contar (que um dia eu contarei)! Evidentemente, se no Brasil, no grupo social e cultural onde fomos criados, as diferenças – repito: felizmente! – já eram enormes, imagine sendo “obrigado” a sair desse grupo e “obrigado” a conviver com pessoas tão diversas, de países, culturas, economias… Semana passada, conheci um brasileiro que me disse que adora conhecer pessoas de “quanto mais longe” melhor. Achei muito interessante. Ele se chateou porque me vieram apresentar a ele somente porque eu sou brasileiro. Minutos depois, me convidou pra um churrasco, e confessou que morre de medo de reencontrar-se com o que ele já foi. Forte, não é?! Coisa boa é conhecer gente, diferente ou igual a gente. O problema, meu caro amigo, serão sempre as desigualdades sociais.

 

  1. O Brasil está mesmo em recessão”? A pergunta do momento; a que mais me fazem os espanhóis. No meio dessa crise europeia enorme, na Espanha recordista de desemprego, no sufoco do povo grego, eu noto uma sutil vontade de que, eu respondendo sim, é como se aliviasse um pouco o sofrimento de quem me pergunta. Quanto mais alto sobe, maior a queda. O Brasil que hoje recua uns centímetros é o mesmo que passou, durante mais de 500 anos, quilômetros atrás. Mas, claro, a ausência de memória histórica não permite relembrar dos metros que avançamos ultimamente (deixo aqui a interpretação desse “ultimamente” para “gregos e troianos”, lulistas e fernandistas). Infelizmente, nosso complexo de cachorro vira-lata não desapareceu. Apenas havia saído de cena. O mundo capitalista é que está em crise, em recessão. Mas não deveriam ser os banqueiros do FMI que voltassem a nos dizer o que fazer das nossas vidas. Se algo de bom tem a crise, é isso, de nos fazer parar um pouco, para pensar. 10. “E a Espanha? Está mesmo mudando?”. Evidentemente, felizmente; e mente quem não disser que sim. Sí se puede!Aquele abraço, com um pedaço de bolo de 10 anos. Migrar é também ter o privilégio de comemorar aniversário duas vezes por ano, sem ter que envelhecer em dobro.

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