No discurso de Lula, ao eleger o Brasil como sede da Copa do Mundo 2014, uma importante mensagem passou despercebida.

Segundo Lula, para mudar a economia do país, optou-se por investir em um novo modelo produtivo, com perspectiva de futuro: deixar de ser um mero país exportador de matérias primas e passar a investir, por exemplo, na agricultura de base familiar, estimulando o consumo interno e fazendo o dinheiro circular dentro do próprio país.

 

plaza s. jaume

A dois anos das Olimpíadas, o que isso tem a ver com o fato do Brasil deixar de ser um país exportador de bons jogadores de futebol e perceber a necessidade de formação de base dos novos craques, investindo, com essa perspectiva de futuro, no esporte “de base” do próprio Brasil? Haveria que compatibilizar a proliferação de peladeiros em todo o território nacional com o fato de que a política nacional de esportes não seja uma coisa de improviso e sim uma das prioridades nacionais? O famoso modelo de formação de base do F.C. Barcelona, como o exemplo que eu tenho mais próximo, com valores sociais positivos, prioridade ao espírito de coletividade, bom senso colaborativo, adoção de novos hábitos alimentares e de educação física, além de muita pedagogia aplicada ao esporte, haveria que exportar-se ao Brasil? Tudo isso tem ou não tem a ver com a “nossa” Copa?

Façamo-nos mais perguntas.

Que países eram favoritos para ganhar esse Mundial de Futebol? O Brasil, que mais vezes ganhou. E a Espanha, campeã anterior. Hoje, quais as derrotas mais inesquecíveis? A Espanha levando 5 gols da Holanda, no começo. E, pior ainda, o Brasil levando 7 gols da Alemanha, nas semifinais. Ontem, antes desse jogo, li no jornal El País um espanhol afirmar que o Brasil era o “nirvana do futebol”. Hoje, depois do 7 a 1, eu li sobre o “inferno dantesco brasileiro”. Nossa particular divina comédia humana. Numa referência ao “mais alemão entre os jogadores brasileiros”: Dante, que substituiu Tiago Silva – por sua vez, aquele que conseguiu o quase impossível, fazer mais falta do que Neymar. Onde joga Dante? No Bayern de Munique de Pep Guardiola, ex-treinador do F.C. Barcelona e reinventor do “jogo bonito”. Não por acaso, o Bayern hoje fornece a base de 6 ou 7 jogadores da seleção alemã que humilhou o Brasil. Se bem que somente isso não é suficiente, pois a base da seleção espanhola é o F.C. Barcelona (em crise, hoje em dia – é bom que se diga).

Voltando a anunciação da Copa sediada no Brasil, recordo que existiam duas imagens tão ultrapassadas quanto comparar o Brasil de Neymar com o Brasil de Pelé (e de Garrincha).

Felipão lamenta durante a trágica derrota do Brasil para a Alemanha. Foto - Reuters

Felipão lamenta durante a trágica derrota do Brasil para a Alemanha. Foto – Reuters

Primeiro, se dizia que o país de “terceiro mundo” não conseguiria organizar nem realizar o evento. O outro mito era que jogo bonito e Brasil queriam dizer a mesma coisa. Sobre o primeiro equívoco, a filha do ex-presidente da CBF e neta do ex-presidente da FIFA já admitiu em público: o que tinha de ser roubado, roubado foi. Em outras palavras, “no Brasil se rouba, mas faz”. Foi a bola começar a rolar e o povão, em geral, parar de protestar. Sobre o segundo mito, a frase é de Neymar, sob as ordens do professor Scolari: “jogar bonito não; eu quero é ganhar”.

A FIFA? Contentíssima. Pagou menos impostos. Com a política de ingressos caros, conseguiu expulsar os pobres pra bem longe dos campos de futebol. E enfocou suas câmeras de TV nos rostos das brasileiras mais bonitas e sorridentes (enquanto o Mundo inteiro se perguntava por que não havia negros brasileiros assistindo os jogos nos campos de futebol). O que mais vende televisão? Emoção! Esta Copa foi e está sendo o campeonato mundial mais emocionante que já se viu. Eu, por exemplo, já vi goleiros chorando DEPOIS de defender os pênaltis. Mas nunca vi, como vi o (Ave!) Julio Cesar, goleiro da seleção brasileira, chorar ANTES dos pênaltis serem chutados. A pressão emocional nunca foi tão decisiva, para o bem ou para o mal.

Espetáculo? Tem mais. Copa do Mundo sem um vilão, daqueles violentos, e sem uma cabeçada agressiva como a de Zidane? Taí a mordida de Luiz Suárez! Sem os ataques epilépticos nos bastidores do “fenômeno” Ronaldo? Ouvi os comentaristas de TV mais exagerados do mundo dizendo que Neymar poderia passar o resto de sua vida deitado em uma cadeira de rodas! Enquanto o nome do seu pai aparecia envolvido na primeira página (ainda sem provas, claro!) com a máfia da compra de ingressos. Polícia, choros, sorrisos bonitos, caras pintadas e bombas de gás lacrimogênio. Quem quer mais emoção? Na Argentina que despachou a “laranja mecânica”, contra os boatos da imprensa internacional sobre os vômitos de Messi, basta ver como são divertidas as respostas.

Lembrando que poderia ser muito pior e todo o Brasil poderia hoje estar três noites sem dormir pensando na possibilidade de perder a final levando uma goleada da Argentina, com Messi levantando a Copa!

Em vez de contratar uma psicóloga para a seleção haveríamos de estar pensando em contratar um psicanalista (argentino, pra reforçar o estereótipo) para todo o Brasil. Nem Freud explica.

A Argentina comemora sua classificação. CLIVE ROSE - GETTY

Pra completar, quando uma seleção é desclassificada numa Copa do Mundo, se diz que foi mandada de volta pra casa. Com exceção da seleção anfitriã, evidentemente, pois joga em casa. Pois não é que os jogadores dessa seleção brasileira, jogando no “país do futebol”, também foram mandados de volta pra casa? Eles moram (e vivem de jogar) no exterior.

Lembram-se do discurso de Lula, no comecinho desse texto? “Bye Bye Brasil; a última ficha caiu”. Daqui a pouco será hora de deixar de lado o futebol, guardando o consolo único de sermos os únicos pentacampeões (que seja eterno enquanto dure…). E será hora de voltar a pensar no país.

Concluo dizendo que, aqui na Espanha (com os espanhóis felizes da vida porque sempre pode haver algo pior para esquecer o pior que passaram), foi onde se viu, pela última vez, um mítico estilo de futebol brasileiro. Que espero um dia voltarmos a ver. Agora que Pelé virou museu e Messi virou cinema (enquanto o rival, Cristiano-bola-de-ouro, nem conseguiu tocar na bola de couro), os espanhóis lembraram-se da frase de Falcão, no Mundial de 1982: “Com a seleção de Telê Santana, Zico e Sócrates, foi a última vez que se falou, no mundo do futebol, que jogar bonito e perder foi mais inesquecível e honroso do que demonstrar um jogo feio e, afinal, ganhar”.

Bom Senso Futebol Clube para todo o Brasil.

PS.: Esse texto está dedicado ao meu amigo Mazinho. Um campeão do Mundo que soube educar seus filhos para serem campeões… na vida! Porque saber jogar futebol deve ser bem mais que uma consequência natural de saber viver.

Aquele abraZo.

Flávio Carvalho.