A necessidade de se garantir a sobrevivência biológica tem a força de um furacão. É bem mais forte do que combustível de avião. Além disso, o sentimento é democrático. Distribui-se por todos os cantos do cansado planeta em que habitamos e no qual desejamos viver. Porque até onde se sabe, no projeto original do Criador não havia a ideia de que nos seria permitido apenas o direito de ser estatística. A menos que ele tenha voltado atrás na sua Palavra, fomos idealizados como criaturas que teriam vida, e vida em abundância. Não é o que se percebe nesse mundo sem governo. Paradoxalmente, moramos num território em que nem todo o progresso tecnológico apaga o desejo de reeditar a escravidão e o consequente tráfico de seres humanos.

Daí para que alguém se disponha a entrar num barco sem destino, em busca de um rumo incerto, é um pulinho. Porque a vida grita. Pede movimento. “Primum vivere, deinde philosophari” teria dito Hobbes, um filósofo que não acompanhava pela imprensa toda a tragédia marítima, que tem colorido de vermelho a nossa história recente. Primeiro viver, depois filosofar, advertiu o pensador, porque essa é a ordem natural das coisas.

Ora, quem está em vias de perder a própria vida não pensa duas vezes. Age instintivamente. A orientação parte da nossa genética, onde está escrito que é preferível morrer tentando. Além do componente ético que se destaca e justifica o ato, isso é mais digno do que ficar parado, feito poste, pesando sobre todos e esperando por um milagre. Comodismo é pecado. Pecado mortal.    

Assim tem acontecido com tantos indigentes que vivem em países castigados pela guerra e massacrados pela fome e miséria, cujas causas são conhecidas. Com olhos pregados na velha Europa, eles se põem em marcha, enfrentando toda sorte de azar, perigos e morrendo aos milhares.

No mais das vezes, os que conseguem realizar a viagem – por via aérea e legalmente – vão para fábricas, onde trabalham como escravos brancos, com um débito eterno de gratidão ao empregador. Obra de ficção de um escritor sem assunto com o que se ocupar? Não. Experiência vivida na pele. Conteúdo cuja densidade bem pode ser matéria prima para um livro consistente. Mas esta já é outra história, que não cabe nessa conversa rápida e despretensiosa.  

 Diante de nós, está um problema que foge do controle e nos ameaça. Se, por negligência, as chamadas autoridades competentes não se emprenharem em trabalhar questões como justiça e paz, a fim de evitar que estes e outros problemas sociais se avolumem, teremos a inevitável instauração do caos, um crime com propósito de matar.

A grande vilã, chamada desigualdade, precisa deixar de atuar na trama da nossa vida. A justiça tem de roubar a cena, em grande estilo. Encantar auditórios e movimentar nações: as pobres, para que reivindiquem; as ricas, para que dividam.   

Só isso vai provocar o clima de confiança no poder, necessário à governabilidade, e nas possibilidades humanas de uma convivência pacífica, viabilizando a realização de projetos pessoais e globais. Qualquer outro comportamento resultará em fracasso inevitável, traduzido em tragédias e convulsão social. E nesse caso não adianta chorar os barcos afundados. Nem as vidas perdidas.   

Livros 

Rubens Marchioni é publicitário, jornalista e escritor. Sócio da Eureka! Assessoria em Comunicação Escrita. Colunista da revista espanhola Brazilcomz, da canadense BrasilNews e da americana BrasilUsa Orlando. Publicou Criatividade e redação. O que é, como se faz; A conquista. Um desafio para você treinar a criatividade enquanto amplia os conhecimentos e Câncer de mama. Vitória de mãos e mentes, este último sob encomenda. – [email protected]http://rubensmarchioni.wordpress.com