Chico ama Barcelona. Bate-papo com o ex secretário de cultura da Paraíba, nascido em Catolé do Rocha…

Por Flávio Carvalho.

Pra quem mora fora do Brasil, escutar uma expressão daquelas que se usava muito, mas que parece séculos não escutava é uma joia. Vinda da boca de Chico César, foi um doce pra mim: “Tô Baqueado! Baqueado…”, chegou dizendo, com cara de sono, cara de siesta, reclamando de algumas noites sem dormir, nessa turnê europeia que acabou em Barcelona. Se bem que, logo depois, eu fiquei sabendo ali mesmo que ele é um dos principais culpados. Termina os shows e vai falar com todo mundo, até esticando um pouco a noite, principalmente quando dois dias atrás, comemorou aniversário, apaixonado, acompanhado de bons amigos e da bela namorada.

O produtor do espetáculo, catalão, muito atencioso, ali nos bastidores, gentilmente perguntou se eu já tinha convite pro show ou se eu somente ficaria pra entrevistar o artista. Perguntei: “estás doido?!”. E mostrei pra ele a entrada que comprei na cadeira Nº 2 da primeira fila, logo que soube desse show. Ele sorriu, mas confessou que estava preocupado, pois estávamos numa quarta-feira, lá fora um vento frio de inverno e num dia de jogão do F.C. Barcelona contra o Athletic de Madrid. No show, Chico Cesar agradeceria duas vezes por havermos optado por ele, em detrimento do Barça. “Vocês são imprevisíveis”, disse ao microfone, duas vezes, um dos artistas mais imprevisíveis que eu conheço. Na saída do teatro, eu todo “amostrado”, tive a honra de ser o primeiro a responder a ele, quando, afinal, perguntou pelo resultado do jogo: “tranquilo, Chico, ganhamos de virada, 3 a 2; e Neymar arrasou”. “Que bom então que afinal deu tudo certo”, escutei dele, como se estivesse aliviado. Na verdade, acho que ele estava era contente de terminar a maratona dessa importante turnê. E não parava de avisar, pra nossa inveja, que daqui a dois dias já estaria (trabalhando ou numa praia?) de Fortaleza. As duas coisas não são incompatíveis nunca, para um grande artista.

Êta cabra simpático! Consegui falar com ele na quarta-feira, 28 de janeiro passado, me metendo no meio de uns quantos entrevistadores (contei cinco, em menos de duas horas), antes e depois do show no Teatro Barts. Na primeira que pude, perguntei logo como estava: cansado, contente? “Feliz! Amo Barcelona. Sempre falei que um dia queria morar nessa cidade… ou em Berlim. É bom morar aqui né?”, devolveu-me a pergunta, sem que eu tivesse tempo de responder como gostaria. Seria a terceira vez que o entrevistado perguntaria algo ao entrevistador que vos escreve, naquela noite mágica. Daí chegou uma menina e pulou sobre ele com um abraço forte. Escutei que ela faz dança contemporânea e que eles se conhecem há muitos anos. E notei que ele tem mania de deixar-se fotografar dando beijos na bochecha das pessoas que ele mais gosta. No meio de tanta gente, sempre com um sorriso carinhoso, moleque. Como quando perguntou pra minha amiga Oriana: “você é paraibana de onde”? De João Pessoa. E ele, como se ninguém soubesse, mas fazendo questão de dizer, novamente, com um sorriso bem grande no rosto: “Eu sou lá de Catolé; Catolé do Rocha”. Papo vai, papo vem. “Você conhece fulana”? “Ela tá grávida, acabei de saber”. “Você também fez dança”? A Paraíba é um mundo. E os catalães dizem que o mundo é um lenço (un mocador), desses lenços de papel de assuar o nariz.

Pedi pra ele autografar Cantáteis – cantos elegíacos de amizade (livro que eu comprei em idioma galêgo e li algum dia pros meus filhos, que adoram rimas assim, como num cordel chicocesariano). E aproveitei pra comentar com ele sobre Filme Triste, a música que ele gravou naquele disco Um Barzinho e um violão. “Interessante. Eles gostam dessa, é”? Invertendo novamente os papéis de perguntador, expliquei a quantidade de catalãezinhos que sabem cantar Filme Triste por causa dele, depois que João e Eloi apresentaram no “musiquemo-nos” da escolinha. Tudo isso por causa daquele dia que nos encontramos em Recife. E elogiei novamente aquela jaqueta que ele estava usando, todinha como uma imensa bandeira da Venezuela, a la Hugo Chávez.

A noite era uma grata criança. Pra minha feliz surpresa, entra no teatro ainda vazio, pra passagem de som, aquele magro de sotaque gaúcho e cara conhecida. E eu pensei comigo: “não pode ser! Num mesmo dia Chico Cesar e Vitor Ramil! Hoje é dia de sorte”. Vitor matando Chico de inveja (tá morando um tempo em Barcelona, entre bicicletadas e cervejadas, processos criativos a mil). Chico supercarinhoso e elogioso pra Vitor, perguntando pelos “meninos” (Kleyton e Kledir).

Pausa merecida pra puxar assunto com Vitor, enquanto Chico Cesar ataca um (outro?) sanduíchinho, e pra aproveitar pra bater um papo agradável com esse imenso artista gaúcho. Como já ia vendo que o tempo seria ouro nessa noite mágica, combinamos de voltarmos a falar por e-mail (igual que Chico, superdisponível e com cara de supercansado – mas nunca desanimado – naquele dia). Com Vitor claro que vai rolar uma entrevistinha também, antes dele embarcar (com um velho amigo dele fabricante de produtos de churrasco gaúcho, que eu também aproveitei pra conhecer), realizando o sonho de conhecer as ruínas de Pompeia. Evidente que falamos do antológico álbum do Pink Floyd Live in Pompeia. Se bem que o ex vendedor de discos, Chico Cesar, nesse dia, estava mais para falar do primeiro álbum de Peter Frampton que ele vendeu quando tinha um pouco mais de 10 anos (pode crer), lá no Sertão da Paraíba. Entre o Floyd e o Frampton, eu sei é que os dois, Vitor sem muito querer ensaiar e preferindo deixar fluir, fizeram um dos melhores momentos da noite, quando no show Vitor Ramil apresentou uma de suas milongas: “a gente acaba de misturar mesmo, milonga com quê, Chico”? Ao que o paraibano respondeu, com outro largo sorriso: “com um carimbó! Lá do Norte”. Genial!

Logo vieram a TV pública catalã, antes TV Barcelona e ele pacientemente limpando todos os pelos de cachorro no casaco vermelho da repórter, um por um… Um homem de detalhes, pelo menos naquele dia… Custou um pouco a explicar àquela repórter o significado da palavra “nordestina” MINHAEIRO, que dava nome à música que ele tocaria. Os do Sul do Brasil que estavam presentes, também demoraram a entender que lá em São Paulo era o mesmo que a palavra COFRINHO. Expliquei que em catalão se diz GUARDIOLA, como o nome do ex-treinador do Barça. Peguei carona gravando a entrevista pra BCN-TV e quando a repórter insistiu em falar mal dos políticos (espanhóis), Chico rebateu: “mas política é o que todos fazemos, ou deveríamos fazer, mesmo em casa”… E, em seguida: “mas eu nunca deixei de ser artista nesses últimos anos; as duas coisas, em mim, sempre caminharam juntas”.

Depois, outra brechinha: voltou a comentar comigo que o público, mesmo o público brasileiro, nos seus shows no exterior, parece ficar prestando mais atenção nos detalhes, como se já tivesse se tornado mais racionalista (europeizado?), pensando mais com a cabeça do que com o coração. Esse assunto ele voltou a tocar na entrevista que deu pros meus colegas da TV APEC, associação que acompanho há vários anos aqui em Barcelona (e que recomendo assistir a entrevista na íntegra, quando publicarem).

Aliás, nunca saberemos se a “culpa”, nessa noite, dele se soltar tanto no palco, dançar tanto, divertir-se tanto, foi da mãe da Presidente da APEC, Daniela, a entrevistadora: “Posso dizer uma coisa, Chico?”, avisou a senhora. “Você estava muito preso, muito contido, não se soltou”. Daniela, a filha, logo argumentou: “Mas mainha, isso era somente um ensaio, a passagem de som; no show ele sempre se solta muuuito mais”. Iran, o produtor que acompanhava Chico atentamente sorriu e disse: “no palco, no show, vocês já vão ver”… Pura verdade, pois o artista queria estar tão solto que usou somente durante duas músicas os sapatos belíssimos (obra de arte) que calçava. E passou a maior parte do show descalço. E eu, na primeira fila, europeizado, bem detalhista, não parava de tentar pegar na mesma foto os pés descalços e os sapatos mágicos de Chico Cesar. Durante o show, não me contive: guardei a câmera e fui dançar. Havia cheiro de perfume de Patchouly, outra música do paraibano, no ar.

E mais um gol de Neymar!

Barcelona, inverno de 2015.

CHICO E MENINO

CHICO CESAR ENTREVISTADO

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CHICO PES

CHICO VIOLAO