Numa das viagens a trabalho que meu pai fez a Salvador, ele trouxe dois azulejos brancos pintados com traços negros simples, mas precisos. Um retratava uma roda de capoeira e outro, a cabeça de uma baiana com a cabeça coberta. Assinado: Carybé. “Quem é Carybé?”, perguntei. “Um argentino que visitou a Bahia e gostou tanto que ficou por lá” definiu meu pai. Minha mãe os pendurou na copa e ficaram enfeitando nossa casa, até uma faxineira delicada terminar com os dias daquelas pequenas obras de arte. Na estante, fazendo companhia aos livros de Jorge Amado, um exemplar de “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, também ilustrado por Carybé.

Carybé

Ilustração de Carybé para Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez.

Recordo esta história familiar porque foi inaugurada no dia 16 de setembro, na Casa de América, a exposição “Carybé, Caymmi y Jorge Amado: una Bahía en común”, coorganizada pela Embaixada brasileira. São trinta aquarelas baseadas na narrativa de Jorge Amado “O Compadre de Ogum” que está dentro do romance “Os pastores da noite”; que foi levada às telas do cinema (1979) e da televisão (1995 e 2002).

Caymmi aparece de trilha sonora, num cartaz com a letra de “O que é que a baiana tem’” e frases de “Acontece que eu sou baiano” escritas pelas paredes, abaixo dos quadros. Impossível não contemplar os quadros sem cantarolar: “tem torço de seda tem, tem brinco de seda tem” ou “porque é que eu vim de longe pra gostar dessa mulher”.

 

Todo o universo baiano aparece nas telas de Carybé: a capoeira, os pescadores puxando a rede na praia, os orixás e o sincretismo religioso. Elementos familiares para um brasileiro, mas que podem ser incompreensíveis para o público em geral, pois não há legendas, nem folhetos explicativos.

Mais que uma exibição, a mostra é a celebração da amizade de três homens que bebiam da mesma fonte e através da literatura, música e pintura deram a conhecer ao mundo este pedaço da cultura brasileira. O primeiro trio elétrico baiano, como bem define uma frase na exposição.

Informações:

Onde? Casa de América – galería Guayasamín

Plaza de la Cibeles, s/n , metrô Banco de Espanha, L2

Horário: terça a sexta, de 11h às 19:30. Sábado e domingo de 11h às 15h:30.

Quanto? Gratuito

Juliana Bezerra é historiadora e escreve os blogs Rumo a Madri e Um ano na Espanha.