As páginas de relacionamento são o máximo: a cada um de nós é consagrado o seu próprio momento de glória. Escrevemos, compartilhamos, curtimos, cutucamos, enviamos emoticons fofos e divertidos, fazemos ironia com aquela nossa persona non grata de cada dia, e, obviamente, excluímos os chatos. Postamos fotos de quando estamos lindos, magros e jovens. De preferência em Paris, Roma, Londres, Nova York, Miami… Esquiando em Bariloche, meditando no Caminho de Santiago ou desfrutando um ritual xamânico no México.
Arrancamos o post chato para fora da linha do tempo. E tome foto! Do pé, do olho, da mão, da sopa de legumes, da pizza, do sushi badalado, da vitamina de banana, do shake pré malhação, da barriguinha pra dentro, do chá de bebê, do chá de fraldas, do bolo de glassé, da arrumação do bufée, do casamento, do parto, da escova definitiva, do ombré hair, da escova progressiva e do vestido de madrinha que bombaram no casamento, da depilação definitiva, do encontro casual com um BBB…
Nosso showzinho particular de cada dia nas redes sociais é tão humano, mas tão humano, é o supra sumo da humanidade! Mais do que exclusivamente gabolice e frivolidade bobocas, nossas práticas virtuais nas néo ágoras do mundo contemporâneo: facebooks, twitters, youtubes, instagrans, pinterests, googles +, badoos, whats apps, nos tornam cada vez mais humanos. Não necessariamente melhores e menos chatos, longe disso! Exercitando diariamente e exaustivamente nossas capacidades simbólicas e subjetividades, nosso sentido, somos transportados pelo turbilhão do ser e estar no mundo, por nossa autoimagem que não é necessariamente a verdadeira.
Ficamos exaustos de nós próprios, da falta de silêncio sobre nós. Então nos irritamos… Com os outros…
Aquela pessoa mandou uma mãozinha de ok depois daquele texto maravilhoso que eu postei, esse fulano só curte e não diz nada, o cara não respondeu e visualizou minha mensagem, eu li, mas não tive tempo de responder, a criatura vai ficar chateada comigo, não tem como ficar off-line só para aquela pessoa? Eu tô cansada de ver gatinhos fofos brincando de sair do buraco de uma cesta, todo dia tem vídeo de cachorros fazendo coisas que humanos forçam a barra para eles fazerem, aquela pessoa que eu não conheço se intrometeu no meu post, me excluíram porque eu falei mal da presidente, me chamaram de coxinha, me chamaram de esquerda caviar, colocaram um vídeo da Dilma falando abobrinha, disseram que o Aécio tava bebum. Não quero ver o chinês se casando com a noiva falecida! Não quero ver a garotinha com Síndrome de Down cantando toda afinadinha, não tô afim de ver o vídeo que explica como faz para um homem cair completamente aos meus pés, parei com mensagens de auto ajuda super cafonas assinadas por Shakespeare e Clarice Lispector! Não quero saber o que o meu amiguinho de infância, que eu não vejo há séculos, comeu ontem, se está se sentindo muito deprimido ou muito animado, se a outra ficou noiva, ficou grávida, comeu fibra durante o dia e está com o intestino funcionando que é uma beleza, se viajou para o Sudão como voluntária, se emagreceu 10 quilos. Eu só quero um pouco de paz!
No meio de todo esse turbilhão diário que toma o nosso tempo e devasta a nossa alma o que nos salva é tão somente a arte de devorar e regurgitar, se empanturrar e depois hibernar como algumas espécies de cobras, jacarés, morcegos e ursos. Ainda bem que podemos contar periodicamente com o nosso lado animalesco em meio ao desatino humano de querer aparecer, fazer e poder o tempo todo. Dar um tempo para só… ser… ao lado do outro, como os bichos, realizando atividades básicas de comunicação tais como tocar, cheirar, sentir…
Esta análise deveria ser no mínimo distribuída profusamente e estar acessível a todos os integrantes das chamadas redes sociais.
Mesmo para os modernos e já tão complexados “info-excluídos” poderia fazer-se uma pequena edição em folha solta, “de grátis”, claro, monocromática, tipo cordel nordestino e com direito a xilogravura talhada a traços certeiros e vigorosos, como é timbre da autora…
O mais curioso é que no texto o uso da primeira pessoa do plural, longe de ser um mero e distante artifício majestático, contribui decisivamente para nos envolver num coletivo universal, sabendo contudo fundir-se com a primeira pessoa do singular, mais confessional no desabafo quase transformado em protesto aberto…
O caráter global e instantâneo das relações humanas via internet e o fato de cada Zé Ninguém poder ser agora autor visível de qualquer coisa, texto, música ou imagem, editor e divulgador de si próprio, catapultou a banalidade mais caseira para os ofuscantes mega-watts de um show universal que gira a uma velocidade estonteante.
O comprazimento narcísico expandiu-se na mesma proporção avassaladora, tornando muito mais difícil a tarefa de achar as pérolas soterradas pelos terabytes de entulho.
Haja espelho mágico para responder a cada minuto aos milhões de perguntas de quem é o mais, mais, mais…
E podendo agora cada um escolher a qualquer tempo não só uma “persona” mas uma autêntica infinidade, pulando alegremente de ramo em ramo na floresta global, nunca foi tão verdadeiro o olhar arguto do “sem-tablet” que há séculos escreveu usando uma simples pena e tinteiro – “All the world’s a stage / And all the men and women merely players…”