Antônio Torres (Sátiro Dias, 13/09/1940), de origem humilde e família numerosa, filho da costureira dona Durvalice, que entre linhas e agulhas, não só criou os 13 filhos, como também alfabetizou o menino Antônio, que entrou na escola já sabendo ler.

Vossa jornada é itinerante, como a de todos. Perambula pelas trevas em busca dos pontos de luz que esbocem o caminho por onde seguir. (…) (Nélida Piñon sobre Antônio Torres no discurso de posse ABL, em 09/04/2015)

Antônio Torres começou a publicar há 43 anos e anda colhendo o reconhecimento de um trabalho sério, uma carreira literária consistente, que o fez entrar para uma galeria exclusivíssima de 40 escritores: a Academia Brasileira de Letras. O prosista tomou posse no dia 9 abril de 2014, ocupa a cadeira nº 23, a que foi de Machado de Assis, um dos fundadores e primeiro presidente da Academia.

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(Arte: Franklin França)

Antônio Torres também foi eleito membro da Academia de Letras da Bahia, sucedendo João Ubaldo Ribeiro no último dia 21 de maio, ocupa a cadeira nº 9. Ele está escrevendo um novo romance há 3 anos, motivo de grande expectativa para a crítica e leitores. O que virá por aí?!

O escritor é casado com a doutora em Literatura Comparada, Sônia Torres. Eles têm dois filhos, Tiago e Gabriel. A família mora em Itaipava (Petrópolis, Rio de Janeiro). O escritor destaca- se não só pela fantástica obra literária, mas também pela simpatia e generosidade que trata os seus leitores. Torres tem Facebook e página web*, e responde a todos com muita atenção. Leia a entrevista exclusiva com o imortal Antônio Torres para a BrazilcomZ:

F.S.: – Antônio Torres, baiano de Sátiro Dias ( município antes chamado de “Junco”), imortalizou- se na Academia Brasileira de Letras, antes da Academia de Letras da Bahia; cidadão petropolitano, antes de ser soteropolitano. A Bahia demorou para reconhecer o seu valor, a sua trajetória literária?

A.T.: – Seria injusto dizer isso. O desejo da Academia de Letras da Bahia de que eu viesse a me tornar um de seus membros foi anterior à minha eleição para a ABL. Também é preciso deixar claro que as datas de recebimento do título de cidadão de Petrópolis e de Salvador foram marcadas por mim. Logo, não é culpa da capital baiana ter feito a homenagem antes da “cidade imperial”. Questão de agenda do homenageado, portanto. Esclarecido isto, gostaria de registrar que Alagoinhas, a cidade baiana onde estudei na minha juventude – e que fica a 100 quilômetros de Salvador -, também me concedeu o título de cidadão honorário, antes das outras. Morei lá primeiro, o explica o pioneirismo da sua iniciativa.

(F.S.): – O seu primeiro romance, “Um cão uivando para a lua” (1972), foi publicado quando tinha 32 anos. Sonhou, pensou naquela época, que iria chegar tão longe com a literatura? Que iria transformar- se em um dos maiores escritores da literatura brasileira contemporânea?

(A.T.): –Vejo que sua avaliação do velho escriba aqui é bem generosa. Obrigado. Quanto à minha expectativa na estreia, em 1972, foi a de que sim, podia continuar, uma vez que Um cão uivando para a Lua havia sido recebido com entusiasmo pela crítica e pelo público. Peguei o embalo e fui em frente, sem me preocupar com o resultado do que viesse a escrever. O balanço disso hoje parece positivo, o que me alegra. Escrever foi o meu sonho de criança.

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A posse na Academia Brasileira de Letras no dia 9 abril de 2014 (foto: web de AT)

“Estreei na literatura com uma epígrafe captada do final de Palmeiras selvagens, de William Faulkner: “Entre a dor e o nada, escolho a dor”. Sim, tenho tentado me plasmar nos dramas humanos que descrevo, que, nos meus romances, levam à loucura, ao suicídio etc. Doeu descrever, por exemplo, o sentimento de um velho pai, no final de Essa terra. O encontro do protagonista de O cachorro e o lobo com uma tia esmoler. Viver também não dói?” (Antônio Torres)

(F.S.): – Que livro Antônio Torres está lendo hoje?

(A.T.): – Acabo de ler, ainda nos originais, O último da fila, de Henrique Rodrigues. E tenho à cabeceira o romance Enigmas da primavera, de João Almino, e o mais recente livro de poesias do baiano João Carlos Teixeira Gomes, O labirinto de Orfeu. Estou sempre rodeado de bons livros.

(F.S.): – As suas obras são cheias de referências literárias e musicais: Fitzgerald, Faulkner, Baudelaire, Gregório de Matos, Rochefort, Miles Davis e Castro Alves, que foi recitado na praça do Junco quando o senhor era menino, baixo uma ovação dos presentes. A literatura salva?

(A.T.): – Na Flip – a Festa Literária Internacional de Paraty – de 2007, o escritor Fernando Molica fez essa pergunta a Paulo Lins, o autor de Cidade de Deus, que respondeu: “Quem salva é a grana”. Bem, a literatura não me deu luxo e riqueza. Deu-me um meio, não necessariamente de vida, mas de viver.

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Nas palabras do autor: O ano é 1967. Fomos de carro de Lisboa a Madri – o psicanalista Alexandre Kahtalian, o artista plástico Franklin França, que fez a foto, e eu. Foi numa parada na estrada. (Antônio Torres)

(F.S.): – O senhor foi jornalista e publicitário. Muitos escritores talentosos tiveram ou têm como profissão o jornalismo: Gabriel García Márquez, Eduardo Galeano, Edney Silvestre, a lista é grande. Há quem reivindique o americano Truman Capote como o precursor do “Novo jornalismo”, uma corrente que mistura a literatura com a linguagem jornalística. Que tipo de publicitário/jornalista o senhor era, seguia essa corrente? Vender ideias/conceitos/produtos, observar os detalhes, a realidade, as pessoas, ajudou a transformar a vida em ficção?

(A.T.): – Foi assim: o jornalismo me ensinou a ver o mundo. E a publicidade, a contar isso rápidinho.

(F.S.): – A memória parece ser um elemento importante na sua narrativa. Recordar machuca? Traz alegria? Liberta? Sufoca? O escritor tem escapatória, dá para recordar e transformar essas lembranças em literatura sem envolver- se emocionalmente? Dói escrever?

(A.T.): – Estreei na literatura com uma epígrafe captada do final de Palmeiras selvagens, de William Faulkner: “Entre a dor e o nada, escolho a dor”. Sim, tenho tentado me plasmar nos dramas humanos que descrevo, que, nos meus romances, levam à loucura, ao suicídio etc. Doeu descrever, por exemplo, o sentimento de um velho pai, no final de Essa terra. O encontro do protagonista de O cachorro e o lobo com uma tia esmoler. Viver também não dói?

(F.S.): – A sua escritura tem facetas muito diferentes, são muitas tessituras em um mesmo romance: a cidade e o campo, o sobrenatural e o ultra- realismo, a dor e o humor e também a história. “Meu querido canibal” (traduzido na Espanha) e “O centro das desatenções” (recente reedição), remontam a colonização do Brasil. Existe uma lacuna na ficção brasileira, um vazio de romances históricos, principalmente modernos e contemporâneos acerca do nosso país. O senhor acredita que falta memória no país?

(A.T.): – Já virou um lugar-comum dizer-se que somos um país sem memória. Será tanto assim? Ou não conseguimos prestar atenção em toda a memória que o Brasil tem de si mesmo? De 2000 para cá, muita coisa tem vindo à tona, em função das comemorações dos 500 anos da chegada dos portugueses nestes trópicos. Enfim, não conheço a fundo a questão para lhe responder com um sim ou um não.

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(foto: web de AT, em Petrolina, Bahia)

“Independente de questões crônicas como os nossos altos índices de analfabetismo funcional, há uma outra questão preocupante: o leitor mudou, e não só no Brasil. As listas de best-sellers dão a régua e o compasso dessa mudança. Portanto, quando falarmos em leitura é bom separarmos o joio do trigo: cada vez se lê menos literatura e mais a bobajada global que pulula nas vitrines das livrarias. Olhando por esse viés, não dá para ser otimista. Até porque, como diz o escritor carioca Carlos Heitor Cony, “o otimista é apenas um mal-informado”. (Antônio Torres)

(F.S.): – O que Antônio Torres acha da literatura contemporânea? Acompanha? Tem algum autor preferido?

A minha impressão é que hoje temos mais escritores do que leitores e mais editoras do que livrarias. Está difícil de acompanhar tudo o que se publica. Tenho lido alguns, com interesse, mas não vou citar nomes, porque posso esquecer de algum amigo, o que pegará mal.

(F.S.): – O senhor participou do Salão do Livro de Paris em 2015 como autor convidado. Como foi a experiência? Qual a impressão dos franceses sobre a literatura brasileira?

(A. T.) – Há uma certa simpatia da França pelo Brasil, o que acaba por beneficiar a nossa literatura. O espaço que temos por lá não chega a ser grande, mas é bem simpático. Como antigo frequentador do Salão do Livro de Paris, achei que desta vez a recepção que tivemos foi melhor do que poderíamos esperar. Algo que os próprios franceses poderiam dizer: “Pas mal”.

(F.S.): – Sobre a sua rotina de trabalho, existe um horário fixo, uma disciplina?

(A.T.) –Venho atravessando um tempo difícil para escrever. Muitas viagens, “quefazeres” de montão, um cotidiano que me afasta da minha própria escrita. Estou tentando me reorganizar para, pelo menos, me dar as manhãs de presente.

(F.S.): – O senhor está escrevendo algum livro agora? Já tem o título, mesmo que provisório?

(A.T.): – Sim, estou retomando um romance começado há mais de 3 anos e que de repente ficou parado. O título ainda não está definido, vou deixá-lo para depois do ponto final. E ainda tenho muito trabalho pela frente.

 

(F.S.): – É otimista em relação à leitura no Brasil? O senhor conhece duas realidades muito de perto: a do interior da Bahia e a do Rio de Janeiro, fora que viaja bastante pelo Brasil. Sem apegar- se a dados e estatísticas, já que essas variam muito dependendo da fonte: empiricamente, quais as suas impressões?

(A.T.): – Independente de questões crônicas como os nossos altos índices de analfabetismo funcional, há uma outra questão preocupante: o leitor mudou, e não só no Brasil. As listas de best-sellers dão a régua e o compasso dessa mudança. Portanto, quando falarmos em leitura é bom separarmos o joio do trigo: cada vez se lê menos literatura e mais a bobajada global que pulula nas vitrines das livrarias. Olhando por esse viés, não dá para ser otimista.Até porque, como diz o escritor carioca Carlos Heitor Cony, “o otimista é apenas um mal-informado”.

(F.S.): – Antônio Torres também foi imigrante, morou três anos em Lisboa. Como foi a experiência? A nossa língua é brasileira ou portuguesa? Existe uma corrente que defende a criação de uma língua brasileira, o que acha disso?

(A.T.): – Neste nosso lado do Atlântico, a língua portuguesa bronzeou-se, ou seja, pegou uma cor local. E também ganhou novos sons e uma outra plasticidade. Daí a ser uma língua brasileira, sei não. Deixemos assim: português do Brasil. E tudo bem.

(F.S.): – Ao estilo Rilke, que conselhos o senhor daria a um jovem escritor?

(A.T.) – Conselhos, a esta altura? Bastam os de Rilke. Dão para o gasto, infinitamente.

(F.S.): – O futuro, quais os sonhos e projetos?

(A.T.): – Escrever. Sempre.

Folha de terra ou papel

Tudo é viver, escrever.

(Do poeta português Alexandre O’Neill, que hospedou Antônio Torres durante quatro meses na sua casa em Lisboa, in “Discurso de Posse”, ABL, 09/04/2015- Foto: Guilherme Gonçalves)

 

Errata à edição nº91- maio- Falando em Literatura: onde lê- se “Academia Baiana de Letras”, leia- se “Academia de Letras da Bahia”.