“Um mergulho no Brasil mais profundo” é assim que o fotógrafo Ricardo Teles define seu trabalho Estrada de Grãos. Em cartaz até 15 de março, na Casa do Brasil, o artista gaúcho concedeu por email esta entrevista onde repassa sua trajetória e nos conta suas impressões sobre as pessoas envolvidas no escoamento de grãos no país.

  • Como o senhor se tornou fotógrafo?

Foi quase uma casualidade. Retornei de um programa de intercâmbio na Alemanha quando tinha 19 anos e resolvi interpretar o que eram as colônias alemãs no sul do Brasil, especificamente do Rio Grande do Sul, de onde venho. Até a profissionalização foi um longo caminho que só se concretizou quase 10 anos depois.

O senhor fotografa um Brasil bastante diverso: dos descendentes dos imigrantes alemães aos quilombolas passando pelas estradas brasileiras. O que mais lhe chama atenção ao fotografar o país?

Justamente sua diversidade de gente e paisagens. Esta é a maior riqueza que temos.

Qual é a origem do projeto “Transbrasilianas” onde a série “Estrada de Grãos” está inserida?

Desde o início, minha profissão de fotógrafo tem me levado para todos os cantos do Brasil. Aos poucos fui percebendo que a vida as margens das rodovias guardam uma variedade muito grande de personagens e situações. É também uma maneira que descobri de falar de temas extremamente pertinentes da nossa atualidade, sejam eles sociais ou ambientais. A série Rodovia de Grãos surgiu de um trabalho comercial extremamente desafiador; acompanhei a produção de soja no Mato Grosso durante três meses quando percorri mais de trinta mil quilômetros de carro.

Curiosamente, o que menos se vê nas fotografias são os grãos. Deparamos-nos com os caminhoneiros, as prostitutas, as crianças, o ser humano em si. Por que retratar desta maneira o caminho que os produtos agrícolas percorrem ?

Por que esta estória é uma epopeia humana desconhecida nos grandes centros do país. O desenvolvimento do cultivo de soja no centro oeste foi muito rápido e não houve tempo e tampouco empenho para se investir em infraestrutura no escoamento dos grãos. Hoje, a maior parte da produção viaja mais de dois mil e quinhentos quilômetros de caminhão em direção aos portos do centro sul do país.

esperando pelo embarque

Como o senhor avalia a vida dos trabalhadores que estão implicados nos transporte de carga no Brasil?

É uma realidade dura. O medo constante devido insegurança nas estradas, os prazos apertados de entrega da carga e, no caso do escoamento agrícola, a péssima condição das estradas quando o transporte acontece na época de chuvas, são alguns dos pontos que estes trabalhadores precisam enfrentar no dia a dia.

Qual foi a foto mais difícil de fazer?

Não há nenhuma especificamente, mas ao longo da viagem, me deparei com acidentes de trânsito quase que diariamente.

Que expectativas o senhor tem com esta mostra na Casa do Brasil?

A Espanha é hoje um dos principais centros mundiais de crítica e produção fotográfica e, desta forma, minha expectativa é grande. Há também o fato de que este trabalho foge dos clichês habituais sobre o Brasil e pretende ser um mergulho num Brasil profundo, tenho esperança que esta abordagem desperte a curiosidade do público local.

Atualmente, o senhor está trabalhando em algum projeto em particular? Poderia nos contar a respeito?

Os projetos que me dedico em geral são de longa duração. Além de dar continuidade ao Transbrasilianas, focando mais o Nordeste nesta próxima etapa, sigo também com o projeto “Encantados” que trata da diversidade das celebrações afro-brasileiras. Também comecei recentemente um ensaio sobre a relação dos índios com a água, tema tão caro no Brasil atual.

Juliana Bezerra escreve neste espaço e no blog Rumo a Madrid.