Edson Zampronha é um dos dois compositores brasileiros que participam do I Ciclo de Música Contemporânea Iberoamericana,  organizado pela Fundación Alianza Hispánica. O outro é Villa-Lobos. O ciclo mostra a produção musical mais atual da Iberoamerica e será realizado em março e abril, aos domingos, às 12h, no Ateneo de Madri.

Nascido no Rio de Janeiro, numa família de músicos, Edson Zampronha se mudou para São Paulo, onde seria professor da UNESP por dezesseis anos. Do México, onde participava de uma residência para compositores no CMMAS (Centro Mexicano para Música e Artes Sonoras), ele nos concedeu a seguinte entrevista:

1 – Há quanto tempo o senhor mora na Espanha e quais atividades desenvolve aqui?

Estou a sete anos na Espanha entre Oviedo e León. Recebo encomendas de obras, faço concertos, e sou professor consultor do máster on line da Universidade Internacional Valenciana (VIU, na sigla em inglês).

2- Como está o cenário para a música contemporânea na Espanha?

Toda música tem seu público. Atualmente, existe uma dificuldade não apenas na música contemporânea, mas na cultura em geral por conta da crise. Infelizmente, a cultura sofre nesse período por conta das decisões tomadas pelos políticos. No entanto, há iniciativas independentes do apoio institucional, como este Ciclo de Música Contemporânea Iberoamericana, pois existe uma necessidade de oferecer alternativas para novas experiências sonoras.

3- Recentemente, em Madri, tivemos a Feira Internacional de Arte Contemporânea (ARCO) que cada vez mais atrai público e compradores. Por que a chamada música contemporânea ainda não conquistou uma extensa plateia como as artes plásticas?

O que pude acompanhar da ARCO é que várias propostas dialogavam com questões e problemas sociais. No entanto, na música, certas pessoas creem que ela pode estar além do seu contexto social e histórico. Os compositores se fixaram em certos dogmas que valeram para as décadas de 50 e 60 e que sequer estavam cristalizados naqueles anos. Nesta época, a música tinha importância notável e era uma das artes mais ousadas para provocar reações e o debate por parte do público.

Chamo a minha música de “música avançada” porque tenho certeza que não faço música contemporânea. Para mim, a chamada música contemporânea é um estilo e esse termo está desgastado e associado a uma série de valores e ideias dos anos 50, 60 e entrando nos anos 70 que não tem mais validade hoje em dia. E alguns compositores estão atrasados sim. Felizmente, há grupos que tem proposto renovação desses dogmas e fazendo música atual que não querem mais simplesmente repetir padrões do passado. Deste modo, oferecem uma nova sensibilidade para o público.

Por exemplo, quando você faz um concerto de música contemporânea em um teatro ou sala de concerto típica do começo do séc. 20, o ouvinte já se condiciona para o que vai ouvir, pois o ambiente condiciona seu comportamento para ouvir a música. É preciso apresentar a música contemporânea em outros espaços e já existem teatros para isso.

4- Mas e toda a tradição da música clássica?

Os concertos de música clássica para orquestra são o equivalente a um romance do século 19. Ele pode ser interessantíssimo, mas é um romance do século 19 com a realidade, o ritmo e a trama daquela época. Se você quiser algo atual, com ritmo moderno, que fale uma linguagem moderna, para contextos contemporâneos, onde temos as redes sociais envolvidas, outra sensibilidade e contexto de trocas de ideias, não vamos encontrar isso no romance do século 19. Não é que não sejam bons, mas eles falam para sua época. Desta maneira, existem os compositores – como eu – que pensam assim e outros que acreditam em certas tradições. Entretanto, para fazer música atual, não adianta ficar compondo a partir de técnicas relacionadas com os dogmas década de 50 porque esse mundo já acabou.

Edson_Zampronha-Photo_by_Maria_Jose_G_Lobato

O compositor Edson Zampronha apresenta El Gran Zumbidor, dia 22, domingo, no Ateneo de Madri. Foto: Maria Jose G. Lobato

 

5- Então, quais características devem ter o compositor atual?

O compositor atual não pode ser um compositor local. Temos que circular, aproveitar as redes sociais, estar em vários locais ao mesmo tempo. A música não pode estar restrita  ao teatro clássico, com músicos exclusivamente clássicos e depois tocar música contemporânea. Existe um equívoco aí, pois temos um campo muito maior para a música. O compositor dogmático ainda é positivista, acredita em conceitos como evolução ou progresso, e esquece-se do compromisso com o belo.

Por exemplo, o timbre, para mim, é uma matéria plástica. Uso os instrumentos para captar o timbre e não para que o ouvinte os identifique. Meu objetivo é fazer algo belo e original e compartilhar uma experiência que tenha valor para mim, para o público e para o intérprete.

6- Gostaria que o senhor nos falasse um pouco sobre a peça que vai ser apresentada, “El Gran Zumbidor”.

Zumbidor é um instrumento característico de alguns povos originários brasileiros. Consiste em uma corda em cuja ponta tem um pedaço de madeira que pode estar ornamentada ou não. Conforme você a gira, ela vai produzir um zumbido. Se a corda é grande, o som é mais grave e ele também ocupa uma área maior; o som vai pra trás e para frente e você consegue captar sua espacialidade. O conceito central da obra é esse. Também pego outros sons de outros instrumentos que não funcionariam como o zumbidor, como o som de flauta, e aplico o mesmo procedimento. Eu já apresentei essa música em um café na Espanha e foi uma das minhas obras mais bem recebidas. Isto se deve porque a peça se comunica diretamente com o público e toca direto na sua sensibilidade. Foi realizado para um projeto do CMMAS, com apoio do Ibermusica, quando eles encomendaram peças a compositores latino-americanos a fim de gravarem 3 CDs. “El Gran Zumbidor” é a que abre o primeiro CD.

7- Atualmente, o senhor está trabalhando em algum projeto específico?

Estou terminando a residência na CMMAS, no projeto Ibermúsicas, onde faço quatro peças para percussão e eltroacústicas que serão apresentadas em junho. Nesta obra usei berimbaus, maracas, gongos e sino de vaca e pela primeira vez compus um solo para reco-reco.

Ultimamente estou envolvido num concerto com obras minhas onde todas as composições se relacionam com dança e trabalho numa peça para clarinete e dança, especialmente para este concerto. Do mesmo modo, vou compor a música para um curta-metragem de Isaac Berrokal, “La Trampa”, com quem já havia trabalhado em 2013.

Este ano, no segundo semestre, vou para a Bienal Brasileira de Música Contemporânea, no Rio de Janeiro. Estou muito entusiasmado com o panorama brasileiro, pois sinto uma energia muito grande. Vejo uma juventude com uma força inventiva enorme e criando novas possibilidades.

Você pode conhecer um pouco mais da obra de Edson Zampronha e neste vídeo onde ele e Miguel Fernández interpretam a peça ” Improvisação eletrônica para piano fechado e eletrônica ao vivo”.

Informações:

I Ciclo de Música Contemporânea Iberoamericana.

2º Concerto: Música eletroacústica para vídeo e intérprete. Obras de Edson Zampronha, David Echevarría, José Iges, Elsa Justel, entre outros.

Quando? Domingo, 22 de março. Horário: 12h às 14h.

Onde? Ateneo de Madrid.   Calle del Prado, 21. Metrô: Sevilla (L2), Antón Martín (L1). Tel: 914 29 62 51

Preço: 10 euros.     Estudantes: 7 euros

Os concertos continuam nos dias 29 de março e 12, 19 e 26 de abril, no mesmo horário e local.

Site: http://www.ateneodemadrid.com/index.php/esl/El-Ateneo/Noticias/I-Ciclo-de-musica-contemporanea-iberoamericana

Juliana Bezerra escreve neste espaço e no blog Rumo a Madrid.