No Café com LetraZ desta semana vamos falar da lendária última entrevista do também lendário e consagrado escritor da literatura brasileira, o nosso querido José Renato Monteiro Lobato. Mas, Paulo, o nome dele não era José Bento? Mas, esse tema já é outra longa história para explicar, deixá-lo-emos para mais tarde (ao final da matéria desciframos o enigma).
Pirlimpimpim…
“Era uma vez, um homem que contava histórias falando das maravilhas de um mundo encantado que só as crianças podiam ver, mas esse homem que falava às crianças conseguiu descrever tão bem essas maravilhas que fez todas essas pessoas acreditarem nelas… Pelo menos, as pessoas que cresceram por fora, mas continuaram sendo crianças em seus corações…
Ele aprendeu tudo isso com a natureza, em lugares como este sítio onde ele viveu. Há quem diga que foi aqui onde ele descubriu todas as maravilhas que levou para os livros. Há quem diga que elas ainda moram aqui entre as paredes desta casa. Há quem diga que quem entrar aqui poderá talvez encontrar um por um, todos os sonhos, encantos e maravilhas junto à saudade: a grande saudade que ela guarda, de um grande homem que soube falar às crianças…” (Narração: Zilka Zalaberry -Dona Benta- Pirlimpimpim, 1984)
Monteiro Lobato foi quem, poderíamos dizer, criou a Literatura infantil no Brasil com sotaque genuinamente nacional. Quem não se recorda dos maravilhosos personagens do Sítio do Pica-pau Amarelo que povoaram de uma forma ou de outra nosso imaginário coletivo infantil? Quem nunca se identificou com Pedrinho e Narizinho? Quem nunca riu das peripécias da Emília e aprendeu com a sabedoria do Visconde de Sabugosa? Sem se falar dos quitutes de tia Anastácia e do medo que provocavam as figuras folclóricas da Cuca e Saci Pererê… Mas, para quem não sabe, Lobato não só e dedicou à Lit. infantil com a qual ficou famoso, mas também escreveu para adultos. Inclusive foi com “Urupês” que debutou na Literatura adulta. Cultivou diferentes gêneros adultos, como a ficção científica, por exemplo, com um romance premonitório: o famigerado “O Presidente Negro ou o Choque das raças”. Digo premonitório pois nesse romance o escritor quase que “prevê” invenção de vários artilúgios da modernidade como o computador, o fax e a televisão. Além do que também prevê o aparecimento de um presidente “negro” nos Estados Unidos da América que revolucionaria o cenário dos presidentes maioritariamente brancos. Ora, quem está à frente da Casa Branca atualmente? Quando ganhou Obama as eleições presidenciais muitos se recordaram deste livro de Lobato… O romance foi escrito quando de sua estância em terras norte-americanas exercendo como diplomata… Teria Lobato poderes premonitórios? Há quem diga que não! Que simplesmente era um homem antenado com a modernidade, com a modernidade das comunicações.
A professora e escritora Marisa Lajolo (também autora do livro O que é Literatura? – leitura obrigatória para estudantes de Letras) publicou um livro em parceria com João Luisi Cantini: “Monteiro Lobato – livro a livro”. Segundo a autora, desde os anos 20 , Lobato vem se preparando para ser o grande sucesso da Literatura Infantil brasileira. Era uma máquina nosso Lobato, viciado em trabalho, um incansável workaholic: refazia o texto milhões e vezes, mexia tudo, mudava o título, tirava capítulo, tirava personagem, era um tal de tira-bota, bota-tira… Isso demonstrava a sua dimensão enquanto “trabalhador”, acabando com a ideia de que o artista nasce feito, a ideia de que é pura inspiração: nada disso, é trabalho duro mesmo!!!
Foi obrigado a estudar Direito pois a família não o deixara cursar “Belas Artes” como ele queria: na realidade Lobato almejava é ser pintor não escritor (e que inclusive pintou alguns bonitos quadros…) Mas, na realidade o que fez posteriormente foi transfigurar sua inteligência pictórica para a inteligência lingüística: das misturas de cores às Letras literárias…
Pintura de Lobato dedicada à Purezinha (Maria Pureza da Natividade, sua esposa) , 1944:
Era um artista absolutamente completo. Outras pinturas suas:
Por outro lado, também era muito pragmático: lutou pela profissionalização do escritor, pois sobrevivia dos livros que escrevia. Inclusive, classificava a própria obra como “A galinha dos ovos de ouro”. Sabia que para viver da escritura precisava ser muito, muito bom, como o fez ele mesmo muito bem em “Urupês” (onde aparece pela primeira vez o personagem Jeca Tatu) – um êxito de vendas extraordinário para padrões brasileiros!
Naquela época, o Brasil estava deixando de ser um país agrícula para entrar na era industrial.Antenado a essas mudanças nacionais, escreve bastante sobre a “figura do caipira” (ou o lendário e nacionalíssimo “Jeca Tatu”), criticando-o, mas não gratuitamente senão porque constituia um persongem já “descontextualizado” para o que o Brasil pretendia ser na época – .
Mas foi com sua faceta infantil que ficou nacional e internacionalmente famoso. Além do que ele tinha muita paciência com as crianças, respondia a todas as cartas que lhe escreviam, uma a uma e à mão! Visitava as escolas para saber a opinião de seus leitores mirins, como o que gostariam de ler e suas preferências. E atendendo-lhes os pedidos e satisfazendo-lhes os desejos dava segmento à sua obra literária infantil – Lobato era e sempre será o nosso grande mago das letras infantis!
Em 1917 vende a Fazenda onde morava em Taubaté e vai morar em Caçapava, onde funda a revista “Paraíba” para a qual teve como colaboradores Olavo Bilac, Coelho Neto e Cassiano Ricardo, entre outras personalidades da Literatura brasileira. Muda-se para São Paulo e passa a colaborar com a “Revista do Brasil”, chegando a ser até o diretor dela. Depois vendeu sua fazenda para poder comprá-la. Em seguida, descobriu que a Revista não tinha muita saída não porque não fosse boa, senão porque não tinha a distribuição e difusão necessárias para oseu êxito – inclusive, este é o problema até hoje do Brasil. Depois, decidiu montar a própria editora comprando também uma gráfica, que posteriormente faliram. Mas, ainda assim, ele não desistiu- como um bom brasileiro! Após essa fase desatrosa, vende tudo e funda a “Companhia Editora Nacional – a atual e poderosíssima como é conhecida hoje, IBEP.
A relação dele com a política é ambigua. Ao mesmo tempo que parece aliar-se a Getúlio, é punido pelo Estado Novo, sendo proibido de circular. Teve uma vida política cheia de altos e baixos. Sempre foi um patriota muito ativo, denunciava tudo que achava que estava errado. Aliás, segundo Marisa Lajolo, “se tivéssemos mais Lobatos hoje em dia com essa coragem para denunciar as coisas erradas, talvez estivéssemos em outro patamar”…
A LENDÁRIA ENTREVISTA DOIS DIAS ANTES DE SUA MORTE
Agora, vamos transcrever algumas perguntas da entrevista que Lobato concedeu à Radio Record dois dias antes de seu falecimento. Nos links abaixo os leitores podem contemplar o timbre da voz de nosso estimado escritor e seu senso de humor um tanto quanto picante – uma faceta desconhecida até então por muitos de seus seguidores. Ao mesmo tempo que “brinca” com o radialista, ironiza algumas perguntas e mostra-se extremamente franco em suas respostas: diz o que crê que tem que ser dito, assim, diretamente, sem muitos redeios; em outras palavras, “não guarda arroz pra janta”… Seu senso de humor é irônico mas não chega a ser arrogante, é simples, curto, mas extremamente sincero e franco.
Convido o leitor que antes de escutar a entrevista tente se colocar no lugar do autor e responder as perguntas como se fosse ele. Feito isso, aí sim, poderão escutar a entrevista. Suas respostas são surpreendentemente originais. Aposto que ninguém adivinhou nem um terço do que ele disse abertamente, por mais francos que pudéssemos querer parecer.
ALGUMAS DAS PERGUNTAS DA ENTREVISTA:
1) Fale sobre o incidente do petróleo. Você não acha que os brasileiros devem contribuir com essa campanha?
2) Monteiro Lobato, você poderia falar um pouco sobre suas personagens, principalemente as personagens infantis e como surgiram?
3) Sobre a situação atual no Brasil, há uma crise generalizada de confiança, o império do suborno… Você poderia, como escritor e como apaixonado dos problemas nacionais, dizer alguma coisa sobre esta época em que vivemos?
4) Quanto à situação internacional, será possível um acordo entre as nações?
5) Quase ninguém acredita no Brasil e no futuro de nossa Terra. O que o senhor diz disso?
6) Entre o idealismo de Monteiro Lobato, além do público temos também o livro. Foi ele o criador de uma das nossas primeiras editoras. Acredita agora já a tantos anos passados que a indústria do livro no Brasil atingiu o nível apreciável e que o escritor já poderia ganhar o suficiente para não morrer de fome?
7) O que o jovem precisa fazer para ser um grande escritor como o senhor o foi?
8) De todas as suas obras, qual é a que mais lhe agradou? A que fala mais de perto do seu coração?
9) Se vossa senhoria pudesse voltar a viver tudo o que viveu o faria?
10) Neste momento qual seria o seu maior desejo?
Então após imaginar estas respostas, você já pode conferir com o áudio original e se deleitar com “A voz” da literatura infantil brasileira…
Áudio original da entrevista que Monteiro Lobato concedeu ao radialista Murilo Antunes Alves na então “Rádio Record” em 2/7/2014, dois dias antes de sua morte: seu último adeus…
Entrevista original e completa em três partes:
(1a. parte)
(2a. parte)
(3a. parte)
Recriação da entrevista teatralizada com o Ator Víctor diCastro no papel de Monteiro Lobato:
http://www.youtube.com/watch?v=wTlXkiONkW0
A MÚSICA DA JABUTICABEIRA
No sítio de dona Benta havia vários pés, mas bastava um para que todos se regalassem até enjoar. Justamente naquela semana as jabuticabas tinham chegado “no ponto” e a menina não fazia outra coisa senão chupar jabuticabas. Volta e meia trepava à árvore, que nem uma macaquinha.
FRASES FAMOSAS DE MONTEIRO LOBATO
“Escrever pra gente grande não vale a pena”
“O livro é um artigo ou uma mercadoria como outro qualquer. Não há diferença entre um livro e um artigo de alimentação. Se o artigo de alimentação não se vende, é que ele é de má qualidade”“De todas as minhas obras a que mais eu gosto é a que me dá mais dinheiro”
“A pior peste que há no mundo é o livro mau, a gente perde até o tempo…”“O que está faltando no mundo para o reestabelecimento da paz é apenas isso: bomba atômica para todos (igual força). O dia que chegarmos a isso, todos os problemas estarão resolvidos”
“Crescer e aparecer – essa é uma condição indispensável (para jóvens futuros escritores). Antes que esse jovem cresca e apareça ele não pode fazer nada. Crescendo ele alcançará a maturidade, alcançando a maturidade ele dará tudo de si…”“Um país se faz com homens e livros”
CurioZidadeZ Café-com-LetraZ:
1) Sobre seu verdadeiro nome, o consagrado autor foi registrado como JOSÉ RENATO MONTEIRO LOBATO, porém resolve mudar o nome porque queria usar uma bengala que herdara de seu falecido pai (José Bento Marcondes Lobato). A bengala tinha as iniciais J.B.M.L. gravadas no topo do castão. Por essa razão decidiu mudar de nome, passando a denominar-se JOSÉ BENTO, assim as suas iniciais ficariam iguais às do pai.
2) O Sítio já foi parar até em Portugal (logicamente) mas lá também recebeu uma versão creativa: o gênero MUSICAL. Muito interessante a montagem portuguesa do Sítio de Dona Benta. A cantora-atriz Sissi canta e encanta o público português com sua voz no papel de Narizinho: https://www.youtube.com/watch?v=DtQ203DzjoI
3) É com grande pesar que vi o seguinte vídeo-documentário que mostra o estado atual do casarão que serviu de cenário para os personagens lobatianos… Hoje em dia está deteriorado quase que vira um “Okupa” senão fosse a boa vontade de pessoas de bem… Por que não fazer um museo daquela casa? Seria uma excelente ideia além de arrecadar dinheiro para a indústria do turismo no Brasil. Pensa, povo, pensa…. Ver vídeo: http://youtu.be/GkYii7zWsX0
4) Foi feito um Especial Infantil na Central Globo de Produções sobre Monteiro Lobato chamado “PIRLIMPIMPIM”, em ocasião do aniversário de seu nascimento em 1982 / 1882. Várias músicas deste Especial ficaram famosas como “O Lindo Balão Azul”, “Emília, a boneca gente” (Com Baby Consuelo), “Narizinho arrebitado” (Com Bebel Gilberto).http://youtu.be/7diaPGkCEdM
5) Para os amantes do Sítio do Pica-pau amarelo, encontramos também uma página no Facebook: https://www.facebook.com/RememberSitioDoPicapauAmarelo
Blogs do autor:
Nossa língua portuguesa: última flor do Lácio inculta e bela:
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