A Fundação Juan March apresenta nesta sexta 24 e sábado 25, às 19h, o concerto “Brasil: choros y otros cantos”, dentro da série “Popular y Culta: la huella del folclore” que mostrou a influência da música popular na música erudita de compositores de vários países. Idealizado por Miguel Ángel Marín, o ciclo deu um panorama da música da Romênia, Espanha, Cuba, África, Hungria e termina em maio com a Argentina.

Os concertos ainda contam com a palestra de um especialista explicando como o gênero popular influenciou no processo de criação do compositor escolhido. Desta vez, quem fará as honras será Luis Ángel de Benito, apresentador do programa “Música y Significado”, da Rádio Nacional Espanhola.

Luis Ángel de Benito

O professor e apresentador Luis Ángel de Benito faz uma conferência antes do concerto.

A fronteira entre o clássico e o popular no Brasil será mostrada através da obra “O boi no telhado”, do compositor francês Darius Milhaud.  Nascido em Aix-en-Provence, em 1892, Darius Milhaud estudou violino e composição no Conservatório de Paris. Em 1916, acompanhou como secretário o poeta Paul Claudel quando este foi designado embaixador da França no Brasil. No Rio de Janeiro, Milhaud travou contato com músicas populares, como o choro, que se confirmava como o primeiro gênero musical brasileiro. Além disso, frequentou os salões cariocas e travou conhecimento com Heitor Villa-Lobos, Alberto Nepomuceno, Oswaldo Guerra e Luciano Gallet.

“A ida ao Brasil representa uma corrente de ar fresco para a música de Darius Milhaud” comenta Luis Ángel de Benito “Foi algo liberador dentro do academicismo da música francesa após a 1ª Guerra” completa. Este interesse gerou obras como “Saudades do Brasil”, “Brasileira” e “O boi no telhado”, de 1919, onde ele usou trechos de canções como “Maricota, sai da chuva” de Marcelo Tupinambá ou “Apanhei-te, cavaquinho”, de Ernesto Nazareth. “Para compor ‘O boi no telhado’, Milhaud respeitou muito as canções originais, repetindo praticamente todas as notas” completa Benito, também professor do Real Conservatorio Superior de Música de Madrid. Segundo ele, o compositor francês utilizou cerca de 30 canções brasileiras, para fazer “O boi no telhado”, mas não deu crédito a todas e, posteriormente, seria acusado de plágio.

IMG_1068

Kennedy Moretti, pianista

“‘O boi no telhado’ foi o cerne para montar o repertório” diz o pianista brasileiro Kennedy Moretti “Averiguamos quais eram as melodias utilizadas nesta obra e tocamos algumas separadamente”. Assim estão incluídas obras de Ernesto Nazareth, Marcelo Tupinambá e Chiquinha Gonzaga. Composta para orquestra e em seguida transformada em balé, “O boi no telhado” será interpretado em uma versão para piano a quatro mãos, onde Moretti fará duo com a espanhola Alicia Lucena.

Alicia Lucena

Alicia Lucena, pianista

Também estarão presentes compositores que utilizaram ritmos populares em suas peças como Francisco Mignone, Heitor Villa-Lobos e Claudio Santoro. “Apesar de ter sido influenciada pela música popular, os compositores eruditos brasileiros quase nunca usaram citações de melodias populares” explica Moretti “É difícil encontrar melodia genuinamente popular como se verifica em compositores nacionalistas do mesmo período” conclui o pianista que mora na Espanha há vinte anos e é professor de Música de Câmera da Escola Superior de Música da Catalunha.

C. Azuma by Marcela de Grande

Cristina Azuma, violonista. Foto: Marcela de Grande

Para a violonista Cristina Azuma, esta peça de Darius Milhaud é o resumo do que ele escutou na época em que esteve no Brasil. “Ele utiliza a técnica de colagens inusitadas de melodias como principio de composição; mas o fato é que todas essas músicas eram sucesso quando ele morou no país”. Aliás, para Azuma, o concerto terá um significado especial. “Minha avó morava no interior de São Paulo e era vizinha de Marcelo Tupinambá. Como ela tinha uma voz muito bonita, ele costumava acompanhá-la ao piano e assim instrumentar as canções que compunha” conta a violonista radicada em Paris.

Ana Guanabara 18 © Stephane Herbert bd

Ana Guanabara, cantora. Foto: Stephane Herbert

O concerto, porém, vai mais além da época de Milhaud e traz sambas como “Último desejo” de Noel Rosa, “Lamentos do morro”, de Garoto e “Camisa Amarela”, de Ary Barroso. “Queríamos mostrar um repertório menos óbvio para o público” explica a cantora Ana Guanabara. “Várias pessoas, fora do Brasil, conhecem Ary Barroso por causa de ‘Aquarela do Brasil’, mas desconhecem ‘Camisa Amarela’” diz a cantora que mora em Paris desde 1993 e atuará pela primeira vez na capital espanhola. “Terminaremos o concerto com ‘touradas de Madri’, de Braguinha”, conclui Ana Guanabara, animada. Como se vê, o intercâmbio cultural será grande.

 Informações

Brasil: choros y otros cantos

Intérpretes: Kennedy Moretti (piano), Cristina Azuma (violão), Ana Guanabara (voz) e Alicia Lucena (piano). Conferência: Luis Ángel de Benito.

Onde? Fundación Juan March, calle Castelló 77. Metrô: Nuñez de Balboa, L9.

Quando? Sexta, 24, às 19h e sábado, 25, às 19h.

Quanto? Entrada gratuita. As senhas são distribuídas a partir das 18h. É bom chegar cedo.

Juliana Bezerra escreve neste espaço e no blog Rumo a Madrid.